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Falsa Loura [Crítica]

Filme brasileiro de 2007, “Falsa Loura” do diretor Carlos Reichenbach, faria parte de uma sequência de 4 filmes, juntamente com “Garotas do ABC” e mais dois longas que não se concretizaram devido à falta de viabilidade e ao falecimento do diretor em 2012. Mesmo compreendido dentro de uma espécie de universo cinematográfico maior, o filme em questão aqui consegue ser totalmente autossuficiente e uma obra realmente interessante por si só. Esse é o primeiro filme de Reichenbach que tenho contato e, como já tinha ouvido boas opiniões a seu respeito, posso confirmar que nesse filme ele demonstra um domínio muito bom da arte cinematográfica. Mais uma ótima opção para se aventurar sem medo no cinema nacional.

Conhecemos na trama Silmara (Rosanne Mulholland), uma operária de fábrica que sustenta a casa e o seu pai, um ex-presidiário que vive uma vida decadente. Obstinada, Silmara junta dinheiro para ir a uma festa onde o grupo musical sensação “Bruno e seus Andrés” vai se apresentar. Na ocasião, Silmara acaba tendo um caso romântico com Bruno (Cauã Reymond), o vocalista da banda, e os dois passam a se encontrar mais vezes. Ao mesmo tempo em que ela precisa lidar com a crescente fama entre suas colegas de trabalho que desejam saber mais da sua relação com o famoso, Silmara rejeita a ideia de se relacionar por dinheiro, mas sua vida acaba girando em torno disso, mesmo que fora do seu controle.

Mais do que tudo, esse filme é uma análise social muito interessante. Mesmo que apresente desenvolvimentos de personagens bem complexos, principalmente no caso de sua protagonista, o filme destrincha a hierarquia social de maneira sagaz. Tudo isso com o total controle de seu diretor. Controle esse que está tanto no roteiro quanto na direção (ambos de Reichenbach), graças a uma mise-en-scène milimetricamente pensada em diversas cenas. Suas escolhas atribuem camadas de simbolismo e significados que tornam a obra ainda mais cativante, o que abordarei mais à frente. Retornando ao ponto central da narrativa, a sociedade periférica é apresentada de uma maneira perspicaz pelo filme. Cada um dos personagens se encontra alinhado à sua própria realidade social e quando tentam se movimentar nessa hierarquia, a própria sociedade apresenta uma resistência.

Vamos ao exemplo da protagonista, que é mais óbvio. Mesmo sempre negando veementemente a ideia de se prostituir, o único meio de ascensão social que ela encontra, ou melhor, vai ao encontro dela é o da prostituição, mesmo que de maneira glamourizada. Tudo isso se relaciona muito com os seus sonhos e o filme sabe criar muito bem essa relação. Todas as vezes que a protagonista “se vende”, essa sequência é apresentada de maneira onírica, como num conto de fadas onde tudo é perfeito e mágico, mas logo em seguida ela acorda – literal e metaforicamente – para a realidade ao seu redor, sempre pelada em uma cama que não é a sua, sentindo-se usada e desiludida por uma realidade que nunca vai ser como ela imagina.

Dois personagens também me chamaram atenção. Um deles é o pai da protagonista (João Bourbonnais) e o outro é o advogado Dr. Vargas (Bruno de André). A relação entre os dois é de completa superioridade por parte da figura do “imponente e alto” advogado, como sempre é descrito pelos personagens. Mesmo aparecendo poucas vezes no filme, a figura do advogado, que representa as elites sociais no filme, sempre traz mudanças significativas para a trama, e sua relação inesperada com o pai de Silmara causa estranhamento para ela. A figura do pai também me faz recordar um outro ponto interessante da trama, as atuações.

No quesito das atuações, o filme me pareceu bastante díspar na maior parte do tempo. Gosto de como Silmara é interpretada por Rosanne Mulholland, mas até ela cai às vezes na dualidade que o filme apresenta nesse quesito. Ora a atuação parece bastante natural e até espontânea, com piadas e tiradas cômicas que me tiraram boas risadas; ora a atuação parece engendrada demais ou até mesmo quadrada, a exemplo do pai de Silmara. Quando os dois interagem, inclusive, essa dualidade fica ainda mais explícita. O pai tem uma solenidade para declamar suas falas, enquanto Silmara é espontânea e natural. Contudo, não acho que isso desvirtue o filme, pois até mesmo nesse quesito parece ter uma mão do diretor já que essa maneira seca e dura do pai condiz com sua personalidade decadente e sofrida, ressaltado ainda mais pela sua imagem, com a face surrada por cicatrizes de queimadura, que deixam um mistério a respeito do seu passado no ar.

Acho que a dinâmica narrativa pode ser um tanto quanto inconstante em certos pontos do filme, principalmente no terceiro ato, mas em geral os personagens conseguem carregar a narrativa com o seu carisma sem nunca deixar a experiência tediosa. Nos momentos finais, a narrativa se desenrola para uma dinâmica mais lenta e apreciativa, que eu não acho que combine tanto com o que o filme vinha apresentando, mas é também nesse final que há uma das cenas mais marcantes, quando o diretor usa um dolly zoom para acentuar o momento em que a protagonista toma conhecimento do que acabara de viver. É esse choque de realidade que traz o ponto final para a narrativa e pontua também o fechamento do conto de fadas que Silmara acreditava experienciar.

A dinâmica do filme também está bastante ligada à sua trilha sonora. Ao longo de todo o filme são apresentadas músicas que, de certa forma, narram os acontecimentos ou talvez os desejos que Silmara gostaria que acontecessem em sua vida. Como o ambiente artístico está intimamente ligado à personagem, isso ainda acaba tendo um significado ainda maior na narrativa. E todo esse jogo de simbolismos acaba por criar uma obra que se mostra como a desconstrução de um conto de fadas moderno. Mostra o lado cru da realidade da classe trabalhadora e expõe um desfecho em que, ao mesmo tempo que é trágico, retrata a austeridade da vida da classe baixa de maneira sutil.

Esse foi um filme que me fez pensar bastante. Mesmo que sua trama não apresente uma complexidade exorbitante, é o seu contexto e universo que conseguem despertar muitos questionamentos e interpretações. Tudo isso muito bem orquestrado por uma direção hábil em transmitir suas mensagens não só narrativas, mas também sociais. 

Nota do autor:

Avaliação: 4 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalFalsa Loura
Lançamento2007
País de OrigemBrasil
DistribuidoraImovision
Duração1h45m
DireçãoCarlos Reichenbach

Onde Assistir?
(não oficial)


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