Filme cearense que consegue transmitir veracidade sem fazer muito esforço e utiliza um desenvolvimento não convencional de maneira exemplar, sem nunca prejudicar o engajamento na narrativa nem cansar o espectador desavisado. “O Céu de Suely” é um filme humano, íntimo e tocante sobre descobertas, ou melhor, redescobertas. Por melhor que seja o desenvolvimento dramático da obra, o que mais me conquistou aqui foi a representação verossímil da realidade nordestina da época.
Na trama conhecemos Hermila, uma nordestina que está voltando de São Paulo para sua terra natal no Ceará com seu filho bebê à espera do seu marido, para que juntos possam montar seu negócio de venda de CDs piratas. Porém, o tempo passa e aos poucos o céu de Hermila vai desabando quando ela percebe que seu marido não vai acompanhá-la nesse retorno ao Nordeste. Dessa forma ela precisa procurar outros modos para sobreviver ou encontrar outro céu para sua vida, mesmo que isso implique em situações nem sempre agradáveis para ela.
O universo do filme é tão cativante quanto a própria realidade nordestina e a direção soube muito bem aproveitar esse contexto já muito interessante para propor dinâmicas críveis à sua protagonista, por mais que algumas delas possam causar certa surpresa, olhando de hoje, mas que condizem com aquele mundo da época. Além de representar a realidade de maneira perspicaz, os realizadores ainda utilizaram de momentos e eventos reais para gravar sequências do filme, dando até mesmo um ar documental ao longa.
Mesmo que seja só uma camada pequena, acredito que esse filme pode ser usado facilmente como objeto de estudo histórico sem muitos problemas. Além disso, a característica de ser uma produção de baixo orçamento em nada prejudicou a narrativa que consegue, através de uma história realística, transmitir mensagens íntimas e profundas, mesmo num desenrolar não convencional.
A atuação é muito competente e as situações criadas pelo roteiro são tão impactantes que em algumas cenas eu queria estar lá no momento para tomar uma atitude. Felizmente, nesses momentos o filme conseguiu fazer exatamente o que eu faria, criando ainda mais uma conexão entre mim e essa obra. A dinâmica dos personagens apresenta também uma quebra das convenções e isso é muito bem-vindo por inverter alguns papeis normalmente pré-estabelecidos, ainda mais para um filme de um bom tempo atrás. Mesmo com essas quebras e algumas arestas, todos os personagens são reais em sua essência e transbordam um espírito de estarem vivos para além da história do filme. Todos apresentam contextos próprios e ganham, mesmo que com minutagens diferentes, o seu próprio espaço de desenvolvimento.
A respeito do drama principal, a trama de redescoberta de Hermila que acontece ao longo do filme é marcante e expõe uma problemática pertinente e muito recorrente até os dias atuais. Dessa forma, a maneira que ela decide lidar com seus traumas recentes e sua vida que perdeu a direção em pouquíssimo tempo é muito entendível. A sua decisão de virar a Suely não aponta somente uma tentativa de ganhar a vida pelos caminhos adotados, mas também de se esconder atrás de uma personalidade diferente, pelo menos até que ela reencontre a sua verdadeira. E, no fim, por mais que esse reencontro seja desagradável em alguns sentidos, ele acontece e exprime ainda mais quem é a verdadeira Hermila que, igual a Suely, não se encaixa mais naquele seu antigo mundo, mesmo que não pelos mesmos motivos. Essa paradoxal conclusão que o filme aborda é crível com relação à personalidade dela, que mesmo com seu caráter proativo consegue demonstrar aprendizado ao longo dos seus erros e uma consciência interpessoal marcante.
Enfim, essa é uma obra de caráter tão real que é capaz de transmitir seus intertextos sem muita dificuldade e expõe uma história muito singela e intimista que nos conquista, por diferentes motivos, do início ao fim. É realmente importante dar atenção a filmes assim, que brotam do mais fundo interior do Brasil e nos surpreendem mesmo com suas dificuldades de produção, demonstrando que pra se contar uma boa história não precisamos de muito orçamento, mas muita perspicácia e humanidade para conceber personagens tão cativantes que nos predem sem fazer qualquer esforço. Uma obra realmente louvável fruto do Nordeste do Brasil.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | O Céu de Suely |
| Lançamento | 2006 |
| País de Origem | Brasil/Alemanha/Portugal/França |
| Distribuidora | Celluloid Dreams |
| Duração | 1h30m |
| Direção | Karim Aïnouz |
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