Filme brasileiro premiado em Berlim, “O Último Azul” traz uma realidade distópica, mas assustadoramente realista com uma condução delicada e consciente de seu realizador Gabriel Mascaro. O longa intercala uma trama de peripécias imprevisíveis com paisagens de tirar o fôlego em cenários do Norte brasileiro. Mais um daqueles filmes nacionais para serem assistidos e que servem para reverenciar o quanto o nosso cinema é capaz de criar obras tocantes e memoráveis.
No filme, acompanhamos a Dona Tereza, uma senhora trabalhadora que acaba de receber o “convite” para uma espécie de asilo forçado para idosos proposto pelo governo brasileiro. Nessa realidade, o estado separa os idosos, vistos como disfuncionais, dos demais entes, estabelecendo uma relação de total desumanização dessa parcela da população. Tereza, uma simples operária do sistema, nunca teve tempo para simplesmente viver sua vida, entorpecida pela constante labuta diária. Com receio de perder totalmente sua liberdade e ainda se sentindo viva o suficiente para não querer ser enlatada em um abrigo, Tereza decide utilizar o que podem ser seus últimos dias de liberdade experienciando coisas novas na vida.
Num primeiro momento, o que mais me chamou a atenção foi a construção do universo ficcional do filme. Se isso já havia me impactado desde o começo, a minha sensação permaneceu a mesma até o final. Apesar de possuir uma certa dose de exagero, a realidade criada para o filme é tão crível que chega a ser assustadora, mesmo o filme nunca apresentando um tom condizente com isso. Através de pequenas informações que nos vão sendo apresentadas, somos capazes de imaginar como nossa realidade pode ter se tornado aquilo. O governo que é “a favor da família”, mas separa os idosos dos seus parentes, os mecanismos de coerção social sutis que vão se tornando cada vez mais chocantes e por fim, um mistério que nem sequer precisa ser respondido para que tomemos tão firmemente as dores da Dona Tereza.
A vivência e a própria vida de Tereza são facilmente identificáveis e sem dúvidas somos capazes de estabelecer paralelos com pessoas ao nosso redor. Isso acaba trazendo uma veracidade enorme e favorece ainda mais o impacto e a imersão. Nos colocamos facilmente no lugar daquela senhora. Mesmo sendo mais jovem, não foi difícil para mim imaginar uma realidade em que sua vida é simplesmente tirada das suas mãos. As justificativas e os meios são ainda mais estarrecedores e cada detalhe daquele mundo traz a dualidade dessa discussão que salta aos olhos. De um lado o marketing governamental tentando “limpar” a sociedade daqueles que seriam improdutivos, de outro a população se expressando contida através de pichações que estão espalhadas pelos cenários urbanos.
Por mencionar os cenários, não só os urbanos são milimetricamente pensados como os naturais trazem um deleite visual maravilhoso que parecem se aliar ao instinto de liberdade da protagonista e nos fazer viajar pela natureza deslumbrante da selva amazônica. Se o contexto social e a criação de mundo foram as coisas que mais me encantaram no longa, a fotografia não fica muito atrás. É de se parar para admirar as paisagens e as sequências em que o pequeno barco se torna minúsculo na imensidão do verde da floresta e nos tons escuros das águas amazônicas. Fugindo de uma sufocante perseguição, as cenas contemplativas trazem uma sensação de liberdade tanto para nossa protagonista, quanto para nós espectadores que podemos relaxar de uma constante escalada da problemática principal.
O filme se mostra tão crível que até mesmo sua narrativa recebe uma boa dose das inconsistências da vida real. Não temos uma trama que segue uma sequência lógica ou mesmo previsível, estamos sendo levados, assim como Dona Tereza, por uma correnteza incontrolável, seguindo um percurso hostil. Na busca pela sua tão sonhada liberdade, as pequenas alegrias da vida são sentidas com mais fervor e o que podem ser vistos como meros prazeres cotidianos são elevados ao ápice da fruição. Isso se torna ainda mais notável quando Dona Tereza encontra uma parceria inesperada através desse vaivém da sua curta jornada aventuresca.
Por mais que o filme possa trazer uma sensação de impasse constante, até mesmo em seu próprio desenrolar como longa, é possível acolher essa ideia como parte da tentativa de nos fazer simplesmente pensar, através daquelas pequenas experiências de vida que acompanhamos com nossa protagonista, o quanto nossa liberdade é importante. Acredito que esse seja o principal ideal dessa obra. Trazer à tona uma discussão geralmente pouco abordada sobre o envelhecimento humano de forma tão natural, justamente através de um mundo que trata esse fato de forma tão mecânica. Essa complexidade que faz parte da vida de cada um de nós ainda traz uma segunda questão-chave que diz respeito ao quanto nós realmente estamos vivendo nossas vidas.
Acredito que é com essa intenção que o filme finaliza de maneira aberta, nos dando a liberdade de imaginarmos aquele futuro. Numa obra que discute tão bem a ideia de liberdade, somos livres para interpretarmos como aquele mundo enorme foi explorado por Tereza e quais foram suas próximas aventuras. Já diria um sábio cantor do brega sergipano: “Viver é diferente de estar vivo”. Dona Tereza é capaz de nos provar com sua vida que, independentemente da idade, precisamos estar sempre dispostos a sair da rotina e explorar os nossos sonhos. Já pensaste quantos sonhos você já realizou na vida? E quantos ainda não conseguiu? Com essa pequena reflexão, finalizo aqui minha análise desse filme que já se mostra uma importante obra do cinema nacional.
Nota do autor:

| Título Original | O Último Azul |
| Lançamento | 2025 |
| País de Origem | Brasil/México/Holanda/Chile |
| Distribuidora | Vitrine Filmes |
| Duração | 1h25m |
| Direção | Gabriel Mascaro |
Onde Assistir?
(indisponível no momento)






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