Esse aqui foi o primeiro filme que assisti para me preparar para a cobertura da Mostra Melodramas Romanescos, um evento da Cinemateca UFS que ocorreu de 15/05 até hoje (18/05). Curiosamente esse foi o último filme a ser exibido na mostra e, a meu ver, foi um fechamento digno para o que o evento se propôs, trazendo uma obra cheia dos elementos primordiais do melodrama, mas com uma roupagem bem única e que nos deixa realmente inquietos pelas possibilidades que vão se abrindo no decorrer da trama. Com certeza uma grata surpresa que essa parceria me proporcionou.
Um casal gay viaja de Hong Kong para a Argentina para explorar o mundo e tem como destino final as Cataratas do Iguaçu. Porém, assim como sua jornada, a relação deles é tortuosa e o objetivo final não parece tão fácil. Mantendo um relacionamento insalubre, a vida dos dois parece afastá-los um do outro, mesmo que essa relação seja, muitas vezes, a única segurança que ambos têm na vida. Mesmo após diversos recomeços, chega o momento em que eles acabam por seguir cada um o seu próprio caminho, finalmente descobrindo a importância do outro em sua vida.
Há diversos elementos que tornam essa obra especial, principalmente pela sua dinamicidade. Em vários sentidos, esse ponto foi o que mais me prendeu ao longa durante minha experiência. Para começar, temos o exemplo da fotografia. O filme parece que adapta a sua coloração ao sentimento e ao estado psicológico dos personagens em sua trama. De um começo melancólico e triste, com a fotografia monocromática; passando por um processo de gradativa recuperação dos ânimos e da própria relação do casal principal, adotando tons mais brandos e frios, mas já com alguma cor pintando aquele mundo inóspito; até novamente a dura e brusca queda e a procura por novas perspectivas, novos ares e novas cores que se apresentam para a paleta do filme. Esse processo de recomeços e redescobertas vai se refletindo na tela de maneira visível e isso traz uma rima narrativa muito perspicaz.
Rimas essas que não são isoladas. Acho que uma das sacadas técnicas mais interessantes do filme é a alternância da taxa de quadros que tem total relação com a dinâmica da montagem. Montagem essa que tem muito das perspectivas da montagem de Eisenstein, com uma importância tão grande para o entendimento do filme quanto o próprio roteiro. Por isso acho que a direção é a principal responsável pela criação dessa obra tão marcante. O filme em várias cenas adota uma taxa de quadros mais lenta, favorecendo uma sensação de que a imagem está travada na tela, assim como os personagens estão vendo o mundo naquele momento. São momentos-chave ao longo de toda a duração que transmitem uma experiência imersiva para o espectador, nos colocando na perspectiva dos personagens, ou melhor, na perspectiva das emoções dos personagens.
Acredito que esse filme como um todo tenha as suas próprias emoções que se refletem na tela de maneiras bem diversas. Seja na fotografia, na montagem ou direção, tudo está concatenado para nos passar uma ideia, mesmo que não percebamos conscientemente. Parece que o filme tem uma vibração própria e isso nos toca de maneira íntima. Nas cenas de discussão, por exemplo, a direção alterna os planos rapidamente com uma câmera ansiosa para causar uma inquietação. Aquela relação tóxica está na iminência de explodir. Isso acontece tantas vezes que eu até cheguei a imaginar que mesmo em constante conflito, os dois jamais se deixariam. Mas novamente o filme nos surpreende, colocando-os em caminhos solitários. Curiosamente é aí que ambos reconhecem a falta e a importância do outro em sua vida, algo bem simbólico e tocante.
O ambiente, além de insalubre pela condição social dos personagens, também é hostil por ambos serem estrangeiros imigrantes numa pátria tão distante de suas casas. Esse mundo totalmente desacolhedor faz com que eles tentem se prender ao máximo um ao outro. O filme nos transmite isso de maneira perspicaz, com uma trilha sonora e ambientação magistral, nos transportando de fato para aquela Argentina dos anos 90. A sensação de solidão e a falta de um norte na vida deles acaba criando um vínculo talvez até mais forte do que o amor que nutrem um pelo outro, fazendo-os manter um relacionamento danoso. A forma como o filme nos transmite o processo de amadurecimento dos dois é cruel, mas bem certeira. Eles só descobrem a harmonia da relação depois que já estão imersos na solidão e quando nada mais pode ser feito para reerguer os sentimentos que tentaram manter vivos por tanto tempo.
Novamente a dinamicidade do filme se mostra em tela quando o ambiente ao redor dos personagens reflete a sua condição sentimental. A casa do protagonista que vai aos poucos se organizando, ganhando objetos de decoração e um certo cuidado extra reflete justamente o momento feliz da relação do casal. Porém, essa estabilidade não dura muito e logo tudo volta ao chão. O tempo entra como grande ponto central, tanto diegeticamente, quanto na questão técnica da obra. Tudo tem seu tempo, mas enfim tudo encontra seu propósito e o filme mesmo curto, parece que é uma experiência longa e penosa e que nos carrega por uma jornada de redescobertas e recomeços sem fim, mas com um propósito de nos imergir profundamente na conturbada relação de redescoberta.
Essa é uma obra realmente intrigante por diversos motivos. Aprecio principalmente seus méritos técnicos por nos proporcionar uma experiência ímpar no que diz respeito à profundidade da trama e a como nós vamos sendo capturados pela obra. Além disso, o filme ainda traz reflexões que podem nos fazer pensar sobre nossos próprios relacionamentos e apontar uma mensagem contundente sobre amor, empatia e companheirismo.
Nota do autor:

Abaixo você poderá conferir o episódio do podcast do Diário dos Filmes que gravamos sobre essa obra. Nele, eu e Gessica Lima conversamos um pouco sobre a obra e discutimos as cenas mais marcantes, os conceitos mais interessantes e os detalhes que mais nos chamaram a atenção no filme. Convidamos você a entrar nessa discussão e também deixar sua opinião aqui nos comentários dizendo o que você achou dessa obra.
| Título Original | Chun gwong ja sit (Happy Together) |
| Lançamento | 1997 |
| País de Origem | Hong Kong/Coreia do Sul/Japão |
| Distribuidora | Janus Films |
| Duração | 1h36m |
| Direção | Wong Kar-Wai |
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