Comentário dos Realizadores
[GABRIEL] Esse aqui é o terceiro curta produzido para o meu curso de cinema na UFS. Repetindo nossa parceria de “ST4LK3R”, eu e Gessica voltamos a trabalhar juntos em “O Homem Não Passa de um Sopro”. Se no meu comentário sobre a obra anterior eu havia mencionado que queria explorar novos gêneros cinematográficos, aqui eu consegui trabalhar não só com o gênero de drama, mas também com um estilo de realização audiovisual único, o fotofilme.
Após muitos imprevistos, idas e vindas, contratempos e adiamentos, nossa ideia quase foi para a geladeira para ser produzida em outro momento mais oportuno. Porém, graças a algumas peculiaridades burocráticas da UFS – para não dizer outra coisa – soubemos, faltando praticamente uma semana para a entrega, que precisávamos realizar o fotofilme como trabalho final da disciplina de Fotografia. Como nós vínhamos adiando a produção por causa das dúvidas em relação a oferta da disciplina de Fotografia para o Audiovisual II, nós tínhamos apenas as ideias em mente e bem pouco tempo para tirá-las do papel. Felizmente o resultado foi satisfatório, em diversos sentidos, por mais que longe do que nós – digo, Gessica – havíamos idealizado.
Ideia e Trama
[GESSICA] A ideia inicial de “O homem não passa de um sopro” surgiu repentinamente, como uma brisa num dia quente. Eu estava pronta para dormir, um cheiro de cigarro entrava pela janela do quarto, e me veio a ideia de um homem que se transformava em um cigarro para ser fumado pelos lábios de sua amada. Apenas anotei no meu caderno e fui dormir.
Veio a calhar a necessidade de um roteiro para uma avaliação na matéria de Fotografia 2, que se dividia entre um projeto de fotofilme e a realização do fotofilme em si. Eu e Gabriel nos juntamos, e mencionei essa pequena ideia que tinha invadido minha mente. Ele concordou em usá-la e, assim, nosso filme começou a se construir. Nossa proposta principal, desde o início, era transformar o cigarro no protagonista da história, mas em um contexto um pouco diferente do resultado final. Ao longo da pesquisa por referências, a ideia foi ganhando um novo tom.
Uma das maiores influências para o conceito filosófico foi o Sermão da Quarta-Feira de Cinzas, do Padre Antônio Vieira. Inspiramo-nos na frase “Porque tudo o que vive nesta vida, não é o que é: é o que foi e o que há de ser” e criamos a personalidade do Toin, como um homem que já estava em cinzas antes de se transformar nas próprias cinzas de cigarro. Outra referência foi o desenvolvimento da psicosexualidade e a relação com a fase oral que Freud aborda em seu livro Esboço de Psicanálise. Essa relação conecta o desejo de ser consumido pelos lábios com o cigarro como objeto fálico. A música “Sádico Poeta”, de Fernando Mendes, também foi uma grande inspiração, por compartilhar a ideia de antropofagia e ajudar a criar essa atmosfera de uma paixão devota e ritualística. E claro, minhas referências bíblicas, que são inerentes às minhas ideias.
[GABRIEL] Como dá para perceber, a maior parte das ideias conceituais vieram da mente de Gessica Lima. Mas, brincadeiras à parte, quando nós nos juntamos para realizar o trabalho final da disciplina de Foto 2, não imaginávamos o que tudo isso iria se tornar. A nossa realização ficou muito distante do nosso pré-projeto apresentado como primeira parte da avaliação. Das continuidades posso citar a estética Noir e a temática do tabagismo como alusão ao vício da paixão, mas de resto tivemos que fazer grandes adaptações.
Nós pretendíamos abordar o cigarro como elemento de superioridade masculina nas décadas de 40 e 50, auge do cinema Noir. Então as influências não seriam só estéticas, mas também conceituais. A relação da mulher com o cigarro seria também um ponto central da trama, mas como nem sequer conseguimos uma atriz para gravar o filme, tudo isso teve que mudar rapidamente. Houveram também várias ideias que foram descartadas ao longo do caminho. Conversando com Gessica agora, nós chegamos a conclusão de que dá para gravar um outro filme só com as outras ideias que nós tivemos que descartar para a produção dessa obra aqui.
A abordagem das questões femininas relacionadas ao cigarro, principalmente durante o período de auge do cinema Noir, para fazer alusão a como as mulheres lidam com esses mesmos problemas na sociedade atual precisaram ser esquecidas por aqui. As mudanças, ao menos, trouxeram uma cara nova para o projeto e também se encaixaram em outras temáticas atuais. [GESSICA] Se na versão inicial o cigarro aparecia como símbolo de poder, na versão final aparece como sinônimo de dependência.
Produção
[GESSICA] As maiores dificuldades de “O Homem Não Passa de um Sopro” foram, primeiro, torná-lo realizável, pois a ideia inicial era sobre um casal de idosos, mas nossa atriz principal viajou e não conseguimos um ator na faixa etária que combinasse com o Toin. Felizmente, conseguimos adaptar os personagens, pois o prazo de entrega já estava bem próximo.
Tivemos muitos problemas em tornar a fumaça visível nas cenas. Júlio foi um ótimo ator e ótimo amigo por aceitar trabalhar no projeto e abraçar o personagem em condições meio desesperadoras, considerando que gravamos tudo em dois dias: um para as cenas com Toin e o outro para tirar fotos do cigarro e das bocas. Mas a maior dificuldade, em minha opinião (não sei quanto ao Gabriel), foi lidar com o fato de que o filme que realizamos não era o filme que a gente tinha idealizado e projetado. Quando vi o resultado pela primeira vez, eu fiquei meio triste, porque não era o que eu esperava. Depois de rever muitas vezes, eu percebi que a grandiosidade dele estava justamente em ser tudo, menos o que eu esperava; não era apenas uma reflexão sobre algo, era uma coisa no mundo.
Quando Octavio Paz fala que “arte é sedução”, ele define minha relação com minha própria obra. Eu percebi que eu não me apaixonei por “O Homem Não Passa de um Sopro” porque eu o fiz; eu me apaixonei porque ele se fez sozinho.
[GABRIEL] Acredito que, no final das contas, conseguimos nos virar com o que tínhamos e apresentar uma obra, no mínimo, interessante. Mesmo fugindo das nossas ideias originais, outras ideias foram surgindo até mesmo durante as “gravações” – ou melhor, fotografias. Na prática, nós realizamos a captura das imagens em apenas um dia. Um longo e esfumaçado dia. Acredito que no dia da produção, tivemos dois problemas mais centrais, tirando as adversidades conceituais prévias. Esses dois problemas foram: ajustar a fotografia num ambiente que nós nem tivemos tempo para fazer testes e fazer a fumaça, um elemento central do nosso filme, visível nas fotos.
Caso se tratasse de um filme convencional com imagens justapostas a 23/24 quadros por segundo, a movimentação da fumaça em quadro tornaria ela um pouco mais óbvia e visível, pelo menos a meu ver. No caso da fotografia, e ainda mais se tratando de fotografias monocromáticas, a fumaça acabou se misturando aos cenários e ao ambiente de fundo, o qual não tivemos muito tempo para organizar e pensar. Mesmo assim, através da prática ali na hora, conseguimos improvisar algumas ideias para fazer com que a tão esperada fumaça ficasse mais visível. Utilizamos luzes diretas, ângulos e enquadramentos que destacassem a presença da fumaça no ambiente e também alguns meios de produzir fumaça para além do próprio cigarro em cena. No final, mesmo que o resultado não tenha sido exatamente o que deveria, conseguimos ressaltar bem esse elemento nas imagens.
Em relação à fotografia das cenas, ela muitas vezes ficou bem inconsistente, graças à mudança da iluminação ambiente ao longo do nosso único dia de gravação. Isso causou alguns problemas que eu tentei corrigir na pós-produção e que irei comentar mais à frente. Como nosso roteiro sofreu mudanças significativas, as únicas cenas que conseguimos manter foram a base para o restante, que foi basicamente adaptado à realidade que tínhamos naquele momento, naquela locação específica. E mais uma vez ressalto a minha falta de expertise na atuação, mas se tratando de fotografias e também levando em consideração o contexto conturbado de produção, acredito que esse tenha sido o menor dos problemas, tirando um outro fato que comentarei a seguir.
Pós-produção
[GABRIEL] Bom, essa parte aqui vai ser praticamente só minha. Se, na minha cabeça, o filme foi produzido todo em um único dia, a pós-produção durou também apenas uma única noite. Me lembro que me comprometi comigo mesmo que só sairia do computador quando tivesse acabado de editar toda a obra. Contei com a ajuda da minha amiga Rafaela – que agradeci nos créditos finais – para algumas coisas. Primeiro para me fazer companhia durante aquela longa noite. Segundo, para me dar algumas ideias do que fazer no filme e opinar sobre o andamento da edição. E, por último, também para a produção da sequência de fotos que revelam o título da obra. Sua ajuda foi muito importante, principalmente por me manter focado no meu objetivo naquela noite.
Dito isso, avançando da minha experiência pessoal para a parte prática da coisa. Nunca havia editado um fotofilme. Por mais que pareça uma tarefa simples, já que se trata de uma justaposição de imagens estáticas, a dinâmica e o ritmo são elementos muito importantes da obra, juntamente com a parte sonora, que é um aspecto que eu costumo me ater bastante nas minhas produções audiovisuais. Nesse sentido, passei um tempinho, como de costume, para escolher as músicas que mais se encaixavam com a estética do projeto. Após isso, busquei um som bastante específico para servir como uma espécie de metrônomo para marcar a justaposição de fotos em certas sequências centrais. Essa marcação serve para indicar, juntamente com as imagens, uma dinâmica de passagem temporal, um processo, um movimento contínuo, apesar de ser quase que um paradoxo no contexto de um fotofilme – mesmo que possa sim haver também imagens em movimento nessas obras, como é o caso de uma cena específica de “La Jetée”, uma de nossas referências.
Após finalizar todas essas etapas, tínhamos em mãos um fotofilme mudo, que muito me apeteceu. Mas nossa ideia previa uma narração. O único problema nisso é que eu não sou, nem de longe, fã da minha voz. Mas como o contexto exigia medidas drásticas – digamos assim – aceitei narrar o filme, até porque, dessa forma, representei por completo o personagem Toin, tanto em tela, quanto em voz. Provavelmente essa é a parte que mais me desagrada no filme, mas ouvi também elogios de alguns, o que me faz repensar a subjetividade do cinema, assim como a forma com que cada um interpreta toda a obra.
Conclusão e Repercussão
[GABRIEL] Nossa obra, primordialmente, serviria apenas para obtenção de nota na disciplina para a qual foi produzida, mas interessantemente ela nos proporcionou muito mais do que isso. Em um certo dia apareceu para mim um formulário de inscrição para um festival de cinema de Sergipe, o Curta-SE. Naquele momento nem acreditava tanto no potencial de nossa obra, mas resolvi inscrevê-la mesmo assim. Nisso, foi uma grande surpresa quando Gessica me avisou que havíamos sido selecionados entre os cerca de 50 curtas sergipanos inscritos, como um dos 10 melhores curtas do estado para participar da mostra competitiva. A confirmação veio alguns dias depois no meu e-mail. Foi uma sensação interessante, porque sabíamos que o resultado não foi nem de longe o que pretendemos, mas se mesmo assim ela foi apreciada da forma que ficou, isso representa que conseguimos alcançar um objetivo importante, o de tocar as pessoas através da nossa arte.
Espero que possamos continuar nossa parceria em futuras produções e também espero que tenhamos condições melhores de produção para uma realização mais tranquila e organizada. Se em dois dias fizemos essa obra, fico ansioso para o que poderíamos fazer juntos com mais tempo e recursos.
[GESSICA] Apesar das dificuldades, trabalhar com pessoas de quem gosto facilitou muito passar por todas as questões mencionadas. Sempre é um prazer trabalhar com Gabriel e Júlio. Eu e Gabriel temos uma ótima sintonia e muito respeito pelas ideias um do outro e, mesmo durante os momentos mais cansativos, conseguimos nos divertir e curtir o processo, que é essencial. Digamos que “O Homem Não Passa de um Sopro” me tirou suspiros de cansaço, estresse e alegria, e o sentimento que nasceu como um vendaval se tornou uma brisa fresca.

| Título Original | O Homem Não Passa de um Sopro |
| Lançamento | 2024 |
| País de Origem | Brasil |
| Duração | 7m35s |
| Direção e Roteiro | Gessica Lima e Gabriel Santana |




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