Categorias:

Outros posts:

Amor Maldito [Crítica]

Adélia Sampaio e “Amor Maldito” 

Adélia Pereira Sampaio nasceu em 20 de dezembro de 1944, na cidade de Belo Horizonte. A identificação imediata de Adélia com o cinema surgiu aos 13 anos, quando assistiu a uma sessão do filme “Ivan, o Terrível” (Sergei Eisenstein, 1944). Nessa mesma época, Eliana Cobbett, irmã da diretora e mais tarde considerada a primeira produtora de filmes do Brasil, namorava o cineasta William Cobbett, que atuava importando e exportando filmes russos. A trajetória de Adélia se inicia no final da década de 1960, inicialmente ocupando o cargo de produtora e continuista (participou de mais de 70 filmes como produtora de direção), justamente durante o movimento do Cinema Novo. Apenas no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, ela começou a dirigir seus próprios filmes: os curtas-metragens Denúncia Vazia (1979), Adulto Não Brinca (1981), Agora um Deus Dança em Mim (1982) e Na Poeira das Ruas (1984), até chegar ao seu primeiro longa-metragem, Amor Maldito (1984), estreando a produção de mulheres negras no campo. 

Sobre o Filme

Amor Maldito, produzido antes do cinema de retomada, enfrentou desafios devido ao alto custo de produção. A diretora Adélia Sampaio relata que, sempre que mencionava sua vontade de produzir um longa-metragem, era desestimulada por colegas, pois fazer um filme era extremamente caro. No entanto, mesmo com uma equipe mínima, a diretora conseguiu realizar o filme “feito na marra”. O longa, embora não aborde diretamente questões raciais, é revolucionário ao retratar a relação amorosa entre duas mulheres a partir da perspectiva de uma cineasta negra.

Monique Lafond e Wilma Dias eram rostos conhecidos do público masculino da época. Monique atuou no filme erótico “Giselle” (Victor di Mello, 1980), e Wilma aparecia na abertura do programa Planeta dos Homens, exibido pela TV Globo. “Amor Maldito” apresenta uma aura dramática, mas mantém o apelo erótico em alguns momentos, como artifício para a narrativa. Todos os homens que admiram e desejam Sueli, uma ex-miss cujo trabalho é ser vista, enxergam apenas um corpo; entretanto, Fernanda é capaz de ver Sueli e amá-la, apesar de tudo. A mesma objetificação criticada no filme foi explorada na própria divulgação, pois o cartaz da exibição em São Paulo traz a imagem de Wilma Dias nua. 

Logo no início do filme, somos inseridos em uma atmosfera onírica na qual Sueli é coroada como miss, representando simbolicamente sua cena de suicídio. A direção de Adélia Sampaio, desde o começo, apresenta ao espectador que o julgamento – tanto o que ocorre no enredo do filme quanto o julgamento externo do espectador – não é sobre um assassinato, mas sim sobre um amor não tradicional. O que está realmente em julgamento é o relacionamento entre Sueli e Fernanda. 

A diretora critica diversas camadas da classe conservadora por meio de seus personagens. O pai de Sueli, por exemplo, representa a hipocrisia religiosa que prega sobre um amor incapaz de sentir, ostentando um complexo de superioridade que o faz julgar a todos ao seu redor para evitar uma autoanálise. Ao descobrir o suicídio da própria filha, seu primeiro instinto é condenar o ato de desespero, afirmando que Sueli está destinada ao inferno e que seu corpo foi possuído por Satanás. 

Outra figura que a diretora crítica é a do jornalista, que se apresenta como um homem comprometido com a honestidade e a integridade, prometendo dizer apenas a verdade no tribunal. Ele é retratado como um provedor dedicado à sua família tradicional, mas, na realidade, comete perjúrio e trai sua esposa ao se envolver com Sueli, engravidando-a. O jornalista, ao difamar a mulher morta, retira dela a capacidade de se defender e manipula a narrativa a seu favor, expondo a hipocrisia que permeia sua figura pública. Essa crítica revela a contradição entre a imagem de moralidade que ele projeta e suas ações que são o oposto. 

A única figura que sustenta suas contradições é Fernanda, justamente a mulher que está sendo julgada. O primeiro instinto de Fernanda ao ver sua companheira morta é chorar e cobrir o corpo estirado, que todos observam. Mesmo tendo seu amor traído e condenado, ela se compromete a defender a memória de Sueli, amando-a e cuidando dela mesmo após sua partida, sem nunca negar seu amor. Na verdade, Fernanda assume esse amor com orgulho, enquanto o filme denuncia os julgamentos que o casal enfrentou. Essa postura revela a força e a autenticidade de Fernanda, contrastando com a hipocrisia e as contradições de outros personagens.

A importância de Adélia Sampaio na história do cinema brasileiro é imensa, e “Amor Maldito” é uma das provas disso. Ao retratar um relacionamento homossexual entre duas mulheres a partir da perspectiva de uma mulher negra, a diretora subverte representações problemáticas, objetificadoras e sexistas que tradicionalmente transformavam o amor em um mero objeto de prazer visual masculino, presente em filmes pornográficos produzidos por homens e para homens. Adélia denuncia a trajetória de opressão feminina em um sistema machista que prioriza a discussão sobre o amor em detrimento da morte, colocando em evidência a luta e a resistência das mulheres. Sua obra se destaca por trazer à tona questões de identidade, amor e opressão, contribuindo para uma nova narrativa no cinema brasileiro. Em uma abordagem que ajuda a questionar e acabar com estereótipos, promovendo um espaço para representações mais autênticas e complexas. 

O discurso de Adélia Sampaio em “Amor Maldito”, que permanece atual, expõe a necessidade de mais vozes femininas negras no cinema, mais perspectivas femininas e a quantidade de mulheres que têm muito a dizer, mas que não têm oportunidades nesse cenário majoritariamente branco e masculino. A falta de reconhecimento da diretora é mais uma das características que evidenciam o quanto as mulheres são apagadas e silenciadas. Mesmo diante de tanta violência e dificuldades, uma mulher negra conseguir realizar essa proeza é histórico, e por isso Adélia Sampaio é um nome que deve ser repetido, lembrado e reverenciado. 

Nota da autora:

Avaliação: 4 de 5.

Gessica Lima

Título OriginalAmor Maldito
Lançamento1984
País de OrigemBrasil
DistribuidoraTop Tape
Duração1h16m
DireçãoAdélia Sampaio

Onde Assistir?


Voltar

Obrigado pela opinião! ❤️

Atenção

Navegação:

Posts Recentes:

Anúncios

Deixe um comentário

Anúncios