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Ainda Estou Aqui [Crítica]

Filme brasileiro que veio ganhando notoriedade pela sua possível indicação ao Oscar de 2025, “Ainda Estou Aqui” é uma obra que consegue deslumbrar o espectador com atuações sublimes e merece se tornar um dos clássicos do cinema brasileiro. O longa apresenta uma trama baseada em fatos reais que consegue emocionar os espectadores e ao mesmo tempo orgulhar o Brasil por sua realização majestosa. Acredito que esse filme realmente mereça toda a repercussão que ganhou porque se trata de um exemplar da qualidade alcançável do cinema nacional quando tanto técnica quanto arte se mostram sublimes.

Acompanhamos na obra o dia a dia de uma família brasileira durante o período de ditadura militar no Brasil e como seu cotidiano é arrasado quando o pai misteriosamente é levado pelos agentes do estado. Assim, vivenciamos o desespero de uma mãe que precisa confortar seus filhos e a si mesma, ao mesmo tempo em que procura por respostas e tenta manter a dignidade e a sanidade da família. Todos se veem no meio de um ambiente hostil mesmo em sua própria casa, assim como todo o país viveu esses anos de terror, onde liberdades individuais eram suprimidas e qualquer tipo de oposição era rechaçada.

Acredito que o mais lembrado desse filme será a belíssima atuação, mas gostaria de começar falando sobre um outro ponto muito importante, a direção. Aqui temos uma direção que sabe muito bem o que fazer com o material que tem em mãos e isso faz toda a diferença. Se o filme resolveu não adotar uma abordagem mais explícita da temática, a direção sabe muito bem onde se colocar e traz o máximo da sugestão e de modo algum subestima a inteligência do seu espectador. Não é preciso muito para expor o que todos nós, teoricamente, já sabemos que aconteceu durante o regime militar brasileiro. Assim, poucas cenas já são capazes de marcar e nos ambientar a aquele ambiente hostil, que curiosamente o nosso país se tornou.

Além da primazia do modo em que o filme trata o tema mais pesado, que foi um ponto onde eu vi algumas pessoas reclamarem, acho que a direção também se destaca por outras questões. A trama é dinâmica, os acontecimentos são trazidos sem arrodeio para a tela e se uma coisa não é explicada à primeira vista, logo as peças vão se encaixando. Não é preciso dizer tudo de uma vez, pois tudo está no filme e responderá suas dúvidas com calma e coerência. O que eu quero dizer é que não há expositividade, não há uma história que quer se narrar de forma simplória, há uma história que está sendo montada junto com o espectador. Até porque a nossa vida não é, digamos, sempre muito coerente. Sendo essa ainda uma história real, o peso dos acontecimentos e a forma como são apresentados ganham um impacto ainda maior. O filme não se perde nos arredores, por mais que eles tenham muito a nos dizer, pois o foco principal é aquela família e aquela situação problemática que ela passa.

Mesmo que eu adie, não há como não falar das atuações desse filme. Todos do elenco apresentam uma desenvoltura de gala. Por isso terei que voltar na direção só mais uma vez para falar que, sabendo do ótimo texto que tem em mãos e dos ótimos intérpretes nos papéis de destaque, o filme não se envergonha de se manter lento nos momentos em que precisa desacelerar, com planos mais longos, mais contemplativos e com mais espaço para o silêncio e a apreciação dos personagens. Assim como a direção dá o enfoque necessário para potencializar as ótimas atuações que apresenta em tela durante os diálogos. Mesmo assim, o dinamismo do filme faz com que a história não canse em momento algum, se tornando um drama perspicaz em nos cativar, chocar e emocionar, sem apelar para nada muito drástico, mas nos fazendo experienciar realmente os sentimentos daquela família através de uma atuação maravilhosa.

O texto que foi adaptado da obra de um dos filhos do casal central da história parece que deu um toque maior de carinho às relações desenvolvidas aqui. As relações parecem muito críveis. Parece que estamos diante de uma família real, como realmente estamos. A forma como o filme transmite a tensão que vai tomando conta do ambiente é magistral. A nossa experiência começa a ser claustrofóbica assim como a dos personagens que estão passando por aquelas dificuldades. É fácil se envolver com a trama e experimentar os sentimentos daquelas pessoas. Tudo isso é favorecido ainda mais por um texto afiado e, novamente, pela atuação principalmente de Selton Melo e Fernanda Torres como casal protagonista. A cena em que Eunice explode para cima dos agentes que estão postos de vigia em frente a sua casa é um exemplo de toda a fúria e entrega que a atriz colocou nesse papel.

Ademais, a fotografia é caprichada, a trilha sonora é envolvente e os elementos técnicos estão dando o alicerce perfeito para que a obra apresente uma base sólida para a construção artística. Os figurinos e toda a estilização de época nos transportam de fato para aquela realidade. Um exemplo disso é como a casa se torna um ambiente palpável. Feito também que conta com a ajuda da direção para tal. A sequência em que vemos a casa, que outrora estava cheia de gente dançando ao som da vitrola do senhor Rubens, se mostra vazia e empoeirada, sem espírito, sem alma, nos dá a sensação perfeita de como está o coração daquela família que teve um ente tão querido arrancado de junto deles.

Além de toda a qualidade artística, esse filme ainda é importante por trazer à tona uma realidade da história brasileira que não pode ser esquecida ou minimizada. Trazer isso com uma história verídica contada de maneira exemplar e com uma repercussão e notoriedade aqui alcançada ainda se torna uma prova de como o cinema consegue ser um importante meio de autoidentificação. E falo isso não como identificação individual, mas como identidade de um país como um todo. E se tem gente que ainda se recusa a enxergar a realidade, obras como essa são importantes para fazer a pessoa sentir e não apenas ver o que nosso país já passou.

Essa foi a primeira experiência que tive no cinema em que todos aplaudiram o filme ao final da exibição. Não estava esperando por esse acontecimento, mas me ajudou ainda mais a me emocionar com a obra que acabara de assistir. Ver o cinema brasileiro e sua qualidade ser reconhecida por nós mesmos é muito satisfatório e, para mim, é muito mais importante do que uma honraria exterior. Esse filme é uma das produções que mostram que existe um mundo em que nós vamos reconhecer a qualidade e a força da nossa cultura frente ao domínio estrangeiro. Se esse lugar existe, estamos no caminho certo com esse longa.

Nota do autor:

Avaliação: 4.5 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalAinda Estou Aqui
Lançamento2024
País de OrigemBrasil/França
DistribuidoraSony Pictures
Duração2h16m
DireçãoWalter Salles

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