Esse é um filme cuja experiência me foi bastante interessante. Apesar de ele ser baseado em Grande Sertão Veredas, obra extremamente clássica da literatura brasileira, eu não tinha tido nenhum contato prévio com a obra original. Assim, essa aqui foi uma obra muito interessante e que teve um peso ainda mais original para mim. Se o que tinha me conquistado para assistir ao filme havia sido a direção de Guel Arraes, eu acabei sendo apresentado a uma narrativa muito mais interessante do que eu poderia imaginar.
Num grande sertão, situado num universo distópico, forças policiais e bandidos disputam pelo domínio do local, enquanto a população se vê no meio do fogo cruzado, literalmente. Nesse ambiente hostil, muitos são os que buscam protagonismo para tentar apaziguar ou controlar a situação, mas quem acaba ganhando esse fardo é Riobaldo, um professor que decidiu entrar no meio da guerra do sertão. Suas motivações vão desde seu altruísmo até o seu amor por Diadorim.
Esse foi realmente um filme bastante impactante para mim, mas primeiramente vamos para algumas questões que, de certa forma, me incomodaram. Acredito que esse seja um filme com muito protagonismo. O que eu quero dizer com isso é que falta um pouco de desenvolvimento de cada personagem se tratando de um filme só porque, por exemplo, o protagonista fica meio escanteado de vez em quando pois tem muito protagonismo nas pessoas que estão em volta dele. Mas isso só fica ressaltado pela boa construção de cada um dos personagens. São todos tão interessantes e marcantes que mereceriam ganhar mais destaque próprio ainda. O que fica realmente complicado para um filme. Recentemente soube que o filme será transmitido na Globo no formato de minissérie. Formato no qual a obra caberia ainda melhor, mas pelo que soube o filme só será mesmo reeditado sem nenhuma adição de material, infelizmente.
Mas se na narrativa principal o protagonista acaba perdendo um pouco da sua centralidade, a direção consegue encontrar um outro jeito para dar destaque para Riobaldo. Assim, o filme adota uma teatralidade marcante, uma marca de Guel Arraes e que aqui acredito que seja um trunfo pois, adotando um texto poético proveniente do livro de origem, o filme ganha em originalidade. Para mim essa foi uma das coisas que mais me prenderam na obra. Além disso, a trama intercala momentos verborrágicos, típicos teatrais com sequências de ação realmente marcantes.
Eu realmente gostei da ação desse filme. O que ajudou ainda mais foi o fato de não haver uma suavização dos momentos mais pesados. Está tudo lá para quem quiser ver. Isso melhorou muito no impacto de cada cena e ainda ajudou a dar mais toques de crueldade para o tão nefasto vilão. Há também uma crítica social, digamos, velada que o filme tenta fazer de maneira indireta a certos problemas enfrentados na sociedade brasileira de periferia. A distopia futura se assemelha bastante ao cotidiano de uma favela, por exemplo. Por mais que o nome da obra dê a entender um ambiente rural, toda a trama se passa dentro dos grandes muros de uma cidade. Eu só sinto um pouco de falta mesmo é da profundidade que poderia haver nessa crítica e por isso acredito que ela seja realmente meio “lavada”, abrandada. Mesmo que os problemas sociais da atualidade estejam lá no panorama geral daquele universo, nada é realmente estudado a fundo, acredito que em grande parte pelo fato de que o material de origem já trazia muito conteúdo para ser adaptado em uma trama tão enxuta.
E realmente, como aqui tem conteúdo, viu. E todo esse conteúdo foi apresentado de maneira digna já que depois de assistir ao filme deu vontade de ler o conto original e eu me propus a ler o livro para escrever essa crítica. Devo confessar que a experiência contrária de ler após ter assistido ao filme me garantiu algumas peculiaridades, como imaginar os personagens da maneira como acompanhei em tela. Mas também me fez perceber que realmente aquela grande quantidade de cenas marcantes e icônicas eram provenientes de um texto precursor.
Para tocar mais na questão dos personagens, tem algo aqui que me causou certo estranhamento. Mesmo com a adaptação e a transposição temporal, buscada na adaptação contemporânea para a obra, os personagens parecem que ficaram presos aos seus arquétipos históricos, causando esse estranhamento inicial. Eles parecem não pertencer ao tempo histórico e social em que eles foram inseridos na obra mais recente. Isso é compensado em parte, na minha visão, pela teatralidade da atuação que nos faz relevar certas características ao ponto em que nos acostumamos com as falas “em poesia” e outros aspectos mais ficcionais que ajudam a manter essa obra também no campo da fantasia.
Ouvi dizer que Guimarães Rosa é infilmável. Guel Arraes tenta desafiar isso, mas também sofre com as complexidades desse trabalho. Não nego que gostei do resultado, mas a questão da adaptação realmente encontra seus intemperismos naturais ressaltados na frase corriqueiramente repetida. Mas essa tentativa moderna de adaptação da obra clássica também nos traz cenas icônicas repensadas de uma maneira perspicaz. Só de exemplo preciso citar a cena do julgamento de Zé Bebelo. Essa cena tem um ar de complexidade das relações sociais do passado, mas com uma atualização na medida que dá uma jovialidade natural marcante, que também se estende para grande parte da obra. E por falar em Zé Bebelo, está aí um personagem que me cativou e que se provou importante e conseguiu demonstrar seu grande valor para a narrativa. Preciso dizer aqui que eu sempre estive do lado dele, sempre suspeitei que sua índole era descente.
Eu realmente gostei desse filme. Em grande parte pelo impacto que a experiência me causou. Mas tenho que admitir que em alguns momentos parecia uma trama de novela da Globo, já em outros parecia uma trama independente de um bom filme atual, mas quando voltava a parecer uma adaptação de livro o filme causava em mim certo estranhamento. Se em parte eu gostei bastante de várias escolhas que tentavam transportar a essência do livro para o filme, em outras isso parece não ter sido muito bem possível. Por exemplo, a grande reviravolta da história para mim não foi surpresa nenhuma, mesmo eu nem sabendo previamente isso. Não sei ao certo o que se estava tentando alcançar, mas acredito que talvez, pensando que a maior parte das pessoas já saberia da informação prévia, o filme nem fez questão de criar grande suspense ao redor disso.
Enfim, acabou que eu acho que falei mais das questões que enfraquecem o longa, mas acredito que tenha muito a se apreciar aqui também. Acho muito louvável a mais nova tentativa de adaptar a obra, tentando ser bastante fiel e manter o aspecto clássico, mas também se possibilitando a experimentar. Há pontos que funcionam e outros que nem tanto, mas a minha experiência foi bastante positiva no final das contas, apesar de que eu gostaria de poder ver mais desse universo e desses personagens. Talvez com o desenvolvimento um pouco mais calmo num formato seriado, provavelmente.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | Grande Sertão |
| Lançamento | 2023 |
| País de Origem | Brasil |
| Distribuidora | Globo Filmes |
| Duração | 1h48m |
| Direção | Guel Arraes |
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