“A Morte Habita à Noite” é um filme brasileiro que eu descobri por acaso e entrou naquela minha lista de obras que eu só me interessei pela premissa e resolvi assistir sem qualquer outro contato anterior. No final da experiência, a primeira coisa que me veio à cabeça sobre o longa é como ele me encantou pelo seu charme. Um charme cafajeste, é verdade, mas um charme bem distinto. De certa forma isso já diz muito sobre o filme, mas eu desenvolverei melhor isso mais adiante.
A obra se passa nas periferias do Recife Antigo e acompanha a vida cotidiana de um homem de meia idade que passa pelos mais diversos problemas da vida de uma pessoa pobre, sejam eles financeiros, amorosos, psicológicos ou sociais. Seus relacionamentos são conturbados e complicados e sua vida parece caminhar num redemoinho de desgraça sem fim. Nossa jornada segue, junto com ele, nessa vivência diária que muitas vezes parece não nos dizer nada muito claramente, mas ainda assim nos transmite bastante conteúdo. Dessa forma, acho que eu já até comecei a minha análise no parágrafo de apresentação da obra, mas acredito que, pela simplicidade da sua premissa, não há nada o que narrar aqui de significativamente importante que não seja o que já ressaltei.
Para falar a verdade eu nem sequer me recordo o que me fez realmente querer assistir esse filme. Talvez o título, talvez a capa, talvez a sinopse – acredito que tenha sido essa relendo-a posteriormente – ou talvez simplesmente a junção de todas essas. O ponto é que eu encontrei por acaso essa obra na minha lista e decidi assisti-la enquanto estava em viagem à Recife. E que coincidência enorme eu me proporcionei assistindo uma obra que se passa naquele mesmo ambiente. Talvez até isso tenha dado um tempero a mais para a minha experiência com ela.
Inicialmente, o que mais me chamou a atenção, seja pelo fato da proximidade física, seja pelo fato da excelente fotografia realista da capital pernambucana, foi a ambientação do filme. Tudo me passava uma atmosfera pessimista o tempo inteiro em todos os cantos, em todos os detalhes das ruas mal cuidadas da cidade e na maneira como tudo parecia sempre fugir dos holofotes clássicos de um filme. Tudo isso, porém, me passou uma sensação de acompanhar algo mais sobreo e real, mesmo isso mudando ao longo do filme. Mas minha conexão com a obra de cara já foi muito bem estabelecida.
A aura pessimista vem do material de origem do filme. A obra é baseada no universo literário de Charles Bukowski e expõe seus contornos mais característicos aqui, de uma maneira até bem perspicaz. Assim, acompanhamos um desenrolar trôpego, uma experiência com gosto meio amargo, um proceder dúbio. De qualquer forma, isso não me incomodou pois em nenhum momento me pareceu desinteressante. Pareceu mais uma pegada de realismo exagerada do que pessimismo. Sendo, entretanto, uma obra ficcional, o realismo está mais na atmosfera e na ambientação do que exatamente na trama, mas outra coisa que tenho que ressaltar são seus realísticos personagens. Aproveitando a deixa, que belas atuações!
Seus personagens principais e o protagonista vivido por Roney Villela são muito carismáticos. Só no sotaque e nos diálogos triviais iniciais eu já fiquei encantado com a atuação dele aqui nessa obra. E o que eu falei do filme como um todo eu reafirmo a respeito do protagonista. Cafajeste, mas muito charmoso – num sentido menos relacionado a índole e mais aos modos e estilo. Acredito que ele tenha passado ainda mais esse ar de fidedignidade que o filme precisava para acreditarmos estar num contexto extremamente comum, mas ainda assim bastante interessante e cheio de vertentes engajantes. Não perdendo o ar de pessimismo, alguns momentos sarcásticos também me tiraram boas risadas. Como foi o caso de uma fala que o protagonista cita Madame Satã. Como já ressaltei, gostei muito dos diálogos e só isso já havia me prendido ao filme desde o início.
Voltando ao cerne da obra, tenho que admitir que nunca havia ouvido falar de Charles Bukowski antes dessa obra. Talvez só de nome, mas mesmo assim nem me recordava do que se tratava seus escritos. Pesquisando um pouco para esse texto eu pedi para o GPT me resumir suas principais temáticas e obras e essa passagem me tocou muito: “Bukowski é conhecido por sua escrita direta, crua e muitas vezes vulgar, explorando temas como alcoolismo, sexualidade, pobreza e a vida cotidiana dos trabalhadores comuns”. Isso me tocou muito porque é exatamente isso que descreve o filme que eu assisti. De uma forma indireta, esse fragmento descreve perfeitamente o que foi, para mim, a obra de estreia de Eduardo Morotó.
Com uma história meio depressiva, crua e muitas vezes incômoda, sua transparência e narrativa são tocantes e conseguem transmitir uma beleza no que muitas vezes jogaríamos fora. Seja nos utensílios arcaicos da cozinha do protagonista, nas ruas escuras escolhidas como pano de fundo, nos diálogos banais ou nas profundas reflexões que surgem do nada na obra, tudo pareceu para mim muito homogêneo no que se propôs a ser. Conhecendo um pouco mais sobre as bases de origem da obra isso ainda se torna mais claro, a meu ver. Gostei também da maneira como a direção finaliza o filme, mesmo que, para mim, tenha se desgastado um pouco no desenvolvimento. E acredito ainda que a conclusão seja um pouco divisora e possa causar certo desconforto em alguns espectadores pela maneira abrupta e brusca e pelas respostas não dadas. Entretanto, isso só corrobora com o restante do filme, para mim.
Enfim, esse é um filme, digamos, difícil e que exige um pouco de tato de seu espectador, pois, se encarado como um mero entretenimento, isso aqui pode se tornar uma agonia e acabar deixando as pessoas mais aflitas do que antes da experiência. Não é uma daquelas obras que buscamos para fugir do mundo real e aproveitarmos a ficção e a fantasia para descansarmos. É justamente o contrário. É uma obra para mergulharmos na crueldade e na realidade mais profunda, e muitas vezes escondida, da simplicidade do mundo à nossa volta, assim como os textos de Bukowski faziam.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | A Morte Habita à Noite |
| Lançamento | 2020 |
| País de Origem | Brasil |
| Distribuidora | Vitrine Filmes |
| Duração | 1h34m |
| Direção | Eduardo Morotó, Renan Brandao |
Onde Assistir?
(aluguel)





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