Não vou cansar de reafirmar que eu amo assistir filmes que eu não sei praticamente nada a respeito e que me capturaram somente por sua premissa interessante. O longa da vez é uma obra australiana de 2022 que mistura uma trama de mistério com um suspense psicológico que vai se intensificando ao longo da narrativa enquanto vai utilizando alguns conceitos peculiares de maneira inteligente. No final da experiência, mesmo que o encerramento não seja lá tão cativante, na minha visão, a obra valeu a pena pela maneira com que carregou nossa curiosidade por toda a história, driblando as dificuldades técnicas por um caminho bem singular.
Acompanhamos desde o início do filme uma jornalista que caiu no fracasso recentemente por publicar uma notícia que continha uma acusação que não se mostrou real. Após essa frustração, a mulher tenta voltar à relevância com um podcast sensacionalista que busca “desvendar mistérios não revelados”. Refugiada na casa de seus pais, por causa da perseguição pública devido às suas últimas acusações falsas, a moça começa a se embrenhar em uma misteriosa conspiração que acaba se mostrando muito mais próxima à sua vida do que ela mesmo imaginava. A angústia vai tomando conta ao ponto em que ela vai descobrindo novas pistas e a sua ânsia por transmitir tudo desesperadamente acaba afetando ainda mais seu psicológico já muito debilitado.
Aqui vou tentar separar muito bem o que me agradou e o que me desagradou nesse filme de uma maneira objetiva e clara, diferente do que a jornalista protagoniza nessa trama. Algo que me agradou bastante foi como a parte do áudio da narrativa audiovisual foi muito bem utilizada aqui. Obviamente que devem existir inúmeras outras obras que também se utilizam dessa característica como ferramenta primordial para transmissão de conteúdo, mas aqui os realizadores tiveram uma perspicácia significativa na forma como utilizaram desse meio. Sendo o podcast a maneira de comunicação utilizada pela jornalista para transmitir suas informações, – se é que podemos chamar de informações – o filme também parece girar em torno desse aspecto mais sonoro, trazendo uma trilha angustiante e uma bela construção de interpretações vocais. Tudo isso como maneira de deixar a obra redondinha, sem precisar de muitos recursos para construção de cenários e ambientes diversos.
A única personagem que acompanhamos em tela é a jornalista. Os demais personagens do longa são apresentados unicamente por meio de suas vozes e isso dá uma experiência bem única para o filme. Não sei o quanto você é familiarizado com RPG de mesa, mas eu achei certas partes dessa obra muito semelhantes a isso. Num RPG nós, geralmente, temos bem pouca informação visual a respeito dos cenários e dos personagens, ficando a mercê da nossa imaginação criar todo um mundo complexo e dinâmico baseado apenas na narração do mestre. O medo do desconhecido é uma das aversões mais naturais do ser humano e quando nossa imaginação fica à vontade para criar a ameaça que nós ainda não conhecemos, o terror pode se desenvolver de maneira muito mais particular e íntima. Aqui, o filme se utiliza muito bem disso, com cenas em corredores que vão nos aproximando da ameaça, mesmo que não saibamos que ameaça é essa. Essa dúvida consegue ser mais assustadora do que muitos monstros horríveis que já vimos por aí, justamente porque a ameaça da vez pode ser tanto algum desses monstros, quanto algo muito pior. A “cena” – a narração – do avô de um certo personagem que aparece lá pelo meio do filme realmente me deixou assustado, mesmo que nada visual nos seja apresentado em momento nenhum. É uma prova que a sugestão aliada ao nosso inconsciente pode nos trazer sensações muito mais perturbadoras do que alguns estímulos visuais baratos.
Unindo a construção narrativa sonora com a utilização inteligente do elemento da sugestão para nos induzir ao medo do desconhecido, o filme vai criando uma atmosfera tensa e muito assustadora. Pelo menos, essa foi a minha experiência. A todo momento o filme apresenta planos sugestivos e incômodos para nos deixar sempre a espera de encontrar alguma ameaça que esteja à espreita. Muitas dinâmicas são utilizadas pontualmente para potencializar ainda mais esse sentimento de agonia, como por exemplo as persianas elétricas que vão subindo lentamente em determinado momento do filme. Aliado a isso, a busca desesperada por respostas da protagonista deixa-nos muito interessado no seu objeto de investigação, sempre tentando ligar as coisas, mesmo que nem ela nem nós consigamos avançar muito rapidamente.
Pra finalizar nas questões positivas, acho que o longa aborda muito bem temáticas sociais muito relevantes na atualidade com críticas aos mecanismos de propulsão midiática, aos métodos de propagação de narrativas sensacionalistas e conspiratórias e ao modo como a mídia pode agir de maneira a criar o caos na sociedade. Outro fato que me pareceu bastante interessante foi uma espécie de “mentalidade de caranguejo” da protagonista. Essa expressão quer dizer algo como: torcer para a desgraça dos outros ou contribuir para o insucesso alheio. Quando a mulher se vê atolada em seu próprio mistério e atingida pela própria narrativa que criou, ela se vê na necessidade de transmitir esse sentimento de desespero para seus ouvintes. Outra característica muito presente nas condutas de certos influencers. Algo que também me interessou, mas que o filme não abordou a fundo como eu acreditei que iria, foi uma espécie de “Efeito Mandela Borboleta”, quando as pessoas começam a querer protagonizar o acontecimento estranho para ganhar visibilidade ou fama por algum tempo, mesmo que tudo aquilo não passe de desvario. Na verdade, essa última parte aí foi mais uma concepção minha a respeito do filme, mas que poderia ser um ponto interessante para ser desenvolvido em correlação aos demais.
Agora vamos às questões negativas. Pode parecer que eu gostei muito mais do filme do que realmente aconteceu, porque eu fiquei muito preso aos conceitos que eu achei interessante durante a obra. Mesmo que eles tenham sido bem utilizados, até certo ponto, acho que eles não foram capazes sozinhos de me garantir uma experiência muito satisfatória. Do meio para o final, mas principalmente no ato de encerramento do longa, acredito que os realizadores tenham se perdido um pouco na forma como finalizaram a narrativa. Eles propuseram ideias fora da caixa e acabaram optando pelo convencional. Não que não pudesse funcionar, mas acho que depois de todo o ar de originalidade que o filme vinha apresentando, trazer esse final foi um pouco decepcionante. Sem querer ser presunçoso, acho que não souberam muito bem como resolver tudo aquilo de uma maneira mais surpreendente e preferiram deixar em aberto à nossa interpretação. Novamente, isso não necessariamente é um problema, mas do jeito que foi apresentado me incomodou bastante, principalmente tendo em vista o restante do filme.
Se por um lado a sugestão e a utilização da nossa imaginação para criação do suspense são acertos majestosos do filme, a forma como ele nos deixa certas dúvidas não é muito agradável, no final das contas, já que não são mistérios a serem desvendados ou sugestões a serem preenchidas pela nossa cabeça, mas apenas lacunas em aberto que não foram explicadas. Certos planos rápidos aparecem em cena sem uma justificativa clara e deixam mais dúvidas do que respostas. Minha interpretação final, levando tudo que o roteiro nos apresenta de mitologia em consideração, é bem chata e simplória para o rumo que a história estava tomando e ainda poderia tomar.
Outro ponto crucial e que corrobora ainda mais para o meu desgosto pela forma como o filme termina é em relação à protagonista. Sendo ela a única personagem em cena, nossa empatia deveria ser bem potencializada, mas, pelo menos comigo, não foi isso que aconteceu. Além de suas atitudes questionáveis profissionalmente, a sua personalidade desprezível vai se mostrando aos poucos até chegar à um ponto, no final do filme, em que eu realmente não tinha mais qualquer ligação emotiva com ela. Pra mim a única coisa que poderia acontecer é aparecer algo de supetão na tela para me assustar, porque me importar com a moça não era mais possível. E focar todo o desenvolvimento do mistério e do suspense em uma personagem que não cativa é perder muito do seu potencial dramático e terrífico.
Enfim, acredito que eu tenha escrito muito mais do que eu normalmente escrevo para uma obra como essa, mas as partes positivas me deixaram bastante empolgado para tal. Por alguns motivos esse filme me lembrou “Ninguém Vai Te Salvar”, mesmo que lá eu tenha me envolvido melhor, mas a sua finalização, digamos, discutível me fez correlacionar as duas obras. Se uma opta por uma ascensão exorbitante, a outra escolhe um declínio decepcionante. De qualquer forma, acho que valeu a experiência aqui, principalmente pela forma como a narrativa sonora mexeu comigo e me deixou realmente tenso e nervoso. Nesse quesito, acredito que o suspense dessa obra seja primoroso. De resto, um filme bem mediano e que vai se tornando desinteressante devido às escolhas narrativas, mas que, ao menos, não chegou a ser cansativo em momento algum, para mim.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | Monolith |
| Lançamento | 2022 |
| País de Origem | Austrália |
| Distribuidora | Max |
| Duração | 1h34m |
| Direção | Matt Vesely |
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