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Lisbela e o Prisioneiro [Crítica]

Filme brasileiro do começo dos anos 2000, “Lisbela e o Prisioneiro” foi um filme que eu assisti pela primeira vez na escola. Naquela época em nem sequer sabia que eu ia querer seguir a área do cinema na minha vida, mas pelo pouco que eu me lembro daquela experiência eu tinha achado o filme bem simples e muito engraçado. Depois disso já havia visto outra vez, mas também sem memória de quando. Reassistindo agora, fiquei surpreso com a quantidade de conteúdo que essa obra traz e também com a tamanha perspicácia de seus realizadores para utilizar o cinema como plano de fundo, com uma metalinguagem inteligente e que me tocou profundamente durante essa minha última experiência com o filme.

No interior de Pernambuco, um charlatão vigarista mulherengo ganha sua vida com diferentes golpes que aplica na população das cidadezinhas em que passa. Com sua clássica Veraneio equipada com alto-falantes, em uma dessas cidades, chamando a atenção dos transeuntes, Leléu acaba se envolvendo com Inaura, que é casada com um conhecido matador da região. Pego no flagra, Leléu foge para a cidadezinha mais próxima para continuar sua vida de truques e acaba se apaixonando por Lisbela, uma adorável moça fascinada por cinema e que sonha em encontrar o amor verdadeiro, mesmo estando prometida em casamento para um qualquer lá metido a grandes coisas. O que Leléu não poderia prever é que tanto Inaura, quanto seu marido estavam à sua procura para complicar ainda mais o seu romance com Lisbela e forçá-lo a combater num território novo, o território do amor.

Como ressaltei no início do texto, essa foi, provavelmente, minha terceira experiência com a obra e como gosto sempre de lembrar, minhas notas são referentes à minha experiência específica que tive com o filme no momento em que o assisti. E tenho que admitir que essa última experiência aqui me surpreendeu bastante. O filme me fez chorar na primeira cena, sendo que eu já tinha assistido algumas vezes – e ele não tinha chegado nem perto disso antes em nenhum momento do filme. Eu fiquei impressionado como o texto brinca com a nossa relação com o cinema, como Lisbela narra perfeitamente uma experiência cinematográfica e como ela expõe a beleza e o fascínio por essa arte de maneira tão genuína que mexeu profundamente com minha empatia. E olhe que isso somente na cena de abertura. Acho que bem provavelmente isso se explique porque minha relação com essa arte tenha mudado bastante desde a última vez que eu assisti o filme.

Outra coisa bastante importante e que também aparece nessa cena de abertura é a metalinguagem do filme em relação ao próprio filme. Além de brincar com a experiência do cinema nessa cena e durante toda a sua duração – seja pela repetição do cenário de uma sala de projeção, seja pela narração repentina de acontecimentos da trama – o filme ainda expõe a sua própria trama logo de início sem que percamos por nada o interesse em conhecermos o final, mesmo sabendo o que vai acontecer pois: “a graça não é saber o que acontece, é saber como acontece e quando acontece”. Eu já era fã de Guel Arraes por “O Auto da Compadecida”, mas aqui ele prova novamente sua condução narrativa primorosa e uma comédia certeira que é capaz de mexer comigo seja lá quantas vezes eu assista suas obras.

Tanto com a cena inicial quanto ao longo de todo o filme, como eu já mencionei, a obra brinca com o clichê e o clássico filme romântico do cinema, trazendo assim uma análise da própria sétima arte. Essa metalinguagem aparece em diversas formas e mesmo assim não falta espaço para o desenvolvimento da história própria dessa obra ficcional em específico com uma apresentação de personagens que guarda o lugar apropriado para cada um, mostra suas facetas e seus anseios sem precisar de qualquer expositividade. No rosto de cada um já percebemos seus lugares na trama. Além disso, acredito que todos tenham seu momento de brilhar e seus próprios minutos de destaque em tela.

Já percebeu que eu vou elogiar mais o filme, né? Se você leu o texto de “O Auto da Compadecida” deve notar semelhanças com esse texto, assim como esse filme tem semelhanças com a outra obra de Guel Arraes. Ambos os filmes apresentam uma ambientação magnífica. O primeiro representa perfeitamente uma cidadezinha do interior nordestino da década de 20 e esse aqui apresenta o interior de Pernambuco com uma excelência tão perfeita quanto. A fotografia e os cenários são tão familiares para mim que vivi numa cidade interiorana como essas do filme que parece que eu já passei por várias daquelas ruas. A Chevrolet Veraneio do protagonista é idêntica as que eu via quando pequeno e que ainda devem existir na cidade em que eu morei, trazendo os informes para a população de maneira ensurdecedora e inconveniente, mas que não deixam de ter seu charme único. A linguagem e o sotaque são um alívio para os ouvidos tão acostumados ao “sotaque neutro” do sudeste do Brasil. É tão bom ouvir algo familiar que nem parece que é um filme. E sendo um filme, que obra magnífica por abraçar nossa identidade regional nordestina.

Outra coisa que me pegou bastante nessa nova experiência foi como o filme utiliza na sua trilha sonora a MPB. Títulos como “Você Não Me Ensinou a Te Esquecer”, “A Dança das Borboletas” e “Espumas ao Vento” aparecem de um jeito que parecem que foram escritas para o filme. Essas músicas clássicas são tão marcantes e se encaixam tão bem aqui que eu fiquei incrédulo de não lembrar dessa característica das outras vezes que vi.

Uma coisa que me incomodou bastante é que eu só consegui encontrar esse filme com uma qualidade bastante inferior à qualidade artística que essa obra carrega. Simplesmente a qualidade de reprodução desse filme não está à altura de seu conteúdo. Mais um dos problemas que os filmes nacionais precisam enfrentar, além dos preconceitos e da falta de distribuição. Por isso e pelos outros motivos citados, acredito que esse filme traz muito sobre o brasil, muito sobre o cinema e ainda apresente uma história que traz muito sobre o amor.

Quando eu acabei de assistir o filme uma palavra veio a minha mente: genial. Pensando um pouco melhor agora escrevendo esse texto, não discordo do meu eu emocionado que chorou várias vezes em momentos singelos, simples e graciosos que teve com o filme, mas vejo que nem tudo são flores, mesmo minha experiência dizendo o contrário. Ainda acho que isso aqui é uma aula de cinema, e digo mais, uma aula de cinema nacional. A questão negativa é que algumas piadas começam a ficar repetitivas e o terceiro ato realmente apresenta uma queda em relação ao resto do filme. Algumas coisinhas são questionáveis e certas justificativas são dúbias no desenrolar final da narrativa, mas nem de longe isso me incomodou, como já deve ter ficado claro. Só ressalto que minha experiência particular apagou completamente quase todos os erros e problemas que esse filme pode ter e isso não quer dizer que ele seja perfeito afinal.

Mesmo não trazendo nada de críticas sociais e coisas que abordem nossas problemáticas mais importantes cujo cinema é ferramenta de crítica e reflexão, essa é uma obra daquelas pra você esquecer da vida e descansar sua mente por 2 horas no cinema. É um tipo de filme necessário, algo que não te faz pensar muito, mesmo que ainda assim apresente conteúdo suficiente para te fazer refletir sobre a obra e sobre o cinema em si. No todo, acho que é inquestionável que essa obra traz uma comédia inteligente, Guel Arraes novamente apresenta uma produção maravilhosa e muito brasileira e que o cinema nacional sempre teve e ainda tem muito potencial para fazer filmes de todos os gêneros, até mesmo as tão questionadas comédias da Globo. Essa aqui é uma prova de que até do convencional podem sair coisas boas sim. É isso, genial…

Enfim, parece que eu vi outro filme dessa vez. Não me lembrava dessa obra ser tão boa. Fiquei genuinamente fascinado por esse longa e por tudo o que ele traz. Mesmo que a emoção tenha tomado conta de mim e que o meu lado crítico tenha ido embora logo nos primeiros minutos do filme, a minha nota vai pela experiência e por tudo que essa obra me fez lembrar e sentir. Uma maravilha que deveria ser e mais respeitada e lembrada como um clássico do cinema nacional.

Nota do autor:

Avaliação: 4.5 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalLisbela e o Prisioneiro
Lançamento2003
País de OrigemBrasil
DistribuidoraGlobo Filmes
Duração1h46m
DireçãoGuel Arraes

Onde Assistir?
(não oficial)


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