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Godzilla Minus One [Crítica]

Depois de um bom tempo de seu lançamento e após seu reconhecimento no Oscar de 2024 pela categoria de Efeitos Visuais, finalmente consegui assistir “Godzilla Minus One”. Unindo a minha curiosidade recorrente pela sua mitologia de origem com as boas avaliações que essa obra vinha recebendo, meu interesse estava bem alto e minha vontade de ver uma perspectiva mais próxima à história de origem desse monstro permearam minha experiência. Fugindo da espetacularização vaga dos filmes de Hollywood e focando num drama mais humano e social este filme consegue fazer muito com pouco e traz uma narrativa envolvente e competente em transmitir as bases dos conceitos utilizados para a criação dessa lenda moderna japonesa.

Em plena segunda guerra mundial somos apresentados ao piloto kamikaze japonês Koichi Shikishima que escapou da morte certa duas vezes: uma por alegar problemas no seu caça e pousar numa ilha de apoio; a outra por não ser atacado por uma criatura enorme que matou quase todos os trabalhadores do local. Após o final da guerra, o Japão encontra-se devastado. A destruição não é só material, mas também social e psicológica com a perda de milhares de vidas no conflito. Nesse contexto conturbado, Koichi encontra uma moça que carrega uma criança cujos pais a incumbiram de cuidar. O que de início era apenas um laço de benevolência acaba se transformando num núcleo familiar improvisado e Koichi se esforça para manter uma vida digna para a sua nova família. Assim, ele consegue um emprego arriscado – mas rentável – desarmando minas marinhas da guerra a bordo de um barco de madeira junto a uma excêntrica tripulação. Se já não bastasse o perigo inerente ao trabalho, o monstro que havia atacado a Ilha de Odo – o local onde ele havia se abrigado anos atrás – reaparece ainda mais devastador para assombrar não somente Koichi em seus pesadelos, mas também todo o Japão.

Geralmente a minha sinopse/resumo é bem mais singela e sucinta, mas dessa vez eu fiz questão de trazer mais detalhes que eu considerei importante para o desenvolvimento das minhas ideias aqui no texto. Para começar, acredito que nenhum desses detalhes seja tão crucial assim para o filme, escapando da característica de spoiler. Tudo o que eu escrevi acontece nos primeiros 15 a 20 minutos do filme. Mas enfim, outra peculiaridade desse parágrafo de apresentação é que o personagem mais famoso não é o centro das atenções do filme até então. Há muito mais desenvolvimento dramático do que normalmente se veria numa obra de monstro e eu preciso admitir que essa foi umas das características que mais me prenderam e conquistaram no filme. O bom desenvolvimento dramático não se dá apenas pelos personagens que acompanhamos em cena, mas por todo um contexto muito bem abordado, expondo a sociedade japonesa num panorama certeiro e bastante envolvente. Esse ponto ainda se destaca mais em um momento mais adiante do filme, que eu abordarei depois.

Ao contrário dos filmes hollywoodianos em que os seres humanos dessas obras geralmente são meros bonecos que servem apenas como iscas, além de possuir uma trama dramática interessante e verdadeiramente importante para o longa, as angústias do protagonista e das demais pessoas do filme interferem significativamente na narrativa e são importantes para o desenvolvimento da própria ação no longa. Assim, faz sentido se importar com alguém nessa obra, pois eles parecem ser pessoas reais e não apenas manequins. Além disso, a sociedade japonesa como um todo aparece nesse filme como personagem e suas angústias, tristezas e ambições importam no universo do filme.

Já na parte da ação, a criação de cenas ambiciosas e exageradas é trocada por uma execução mais contida e sugestiva. Algo me fez lembrar muito “Tubarão” de Steven Spielberg. Talvez por eu ter assistido esse filme há pouco tempo, mas também pode ter sido porque quando o Godzilla ataca na água nas primeiras sequências, sua ameaça não está somente na sua aparência, mas também na sua presença cênica. Um atributo muito bem construído pela direção como forma de driblar as problemáticas relacionadas ao orçamento. No que diz respeito à construção de tensão e clima caótico, a direção consegue entregar uma ação eficaz ao filme que consegue ser até mesmo bastante empolgante.

Apesar de ter saído premiado na categoria de efeitos visuais do Oscar, algumas estranhezas visuais são bastante perceptíveis. Na minha experiência elas não estragaram em nada o conjunto do filme, mas em certas cenas mais caóticas e em planos mais gerais, alguns detalhes dos modelos 3D utilizados ficam bem escrachados. Pessoas correndo em direção ao Godzilla, saindo do lugar deslizando sem mexer as pernas. Coisas como essas que no todo não causam tanto prejuízo, pois em geral essas cenas são bem frenéticas e não dá para prestar atenção à tantos detalhes. Outro ponto importante é em relação ao próprio monstro. O Godzilla aqui é ameaçador, é poderoso, é amedrontador sim, mas a sua movimentação é bem limitada. As mãozinhas de Tiranossauro que ficam sempre paradinhas em frente ao corpo o fazem parecer, às vezes, um “robozão” gigantesco e não uma criatura viva. Em uma outra cena específica, há algo tão súbito e inesperado em relação a aparência do bicho que até chegou a ser engraçado. Novamente, reforço que tudo isso ainda não chega a estragar em nada a obra e nada disso realmente me incomodou.

Todavia, algo que me deixou um pouco incomodado foram certas facilitações e convenções no decorrer da trama. Cenas em que tudo acontece de maneira calculada quando o que estamos presenciando é um ambiente caótico sem qualquer controle; cenários pré-planejados para atenuar uma falsa sorte no desfecho de uma ameaça. São aquelas famosas mãozinhas do roteiro para facilitar o desenrolar do filme da maneira delimitada. Apenas um ponto me deixou um pouco insatisfeito. Na verdade, é mais uma opinião minha, porque foi nesse momento que minha imersão foi quebrada, de certa forma. Ao menos isso ocorreu lá no finalzinho do filme, mas o impacto foi um probleminha pra mim. Para mim é fácil me manter imerso em uma narrativa e acreditar no desenrolar dos fatos, mas nesse ponto específico eu me dei conta de que estava diante de uma obra de ficção. Eu pensei comigo na hora: “é, isso é um filme”. Porque foi o tipo de coisa que só foi adicionada para aumentar a experiência catártica do clímax do filme. De todo modo, o drama que essa sequência de acontecimentos trouxe para o filme foi bem importante, mas não mais importante do que uma outra questão dramática crucial, abordada a seguir.

Sendo um filme japonês, muito das tradições culturais do país são abordadas ao longa da história. Não só o contexto histórico importa, mas todo um folclore/mitologia é muito bem apresentado e utilizado. O monstro não se apresenta como um herói salvador, uma força natural do planeta contra o desequilíbrio humano, mas sim o retrato do próprio desequilíbrio da humanidade. A encarnação da guerra, do perigo nuclear e da destruição. Elementos muito presentes no Japão da segunda metade do século XX. Assim, como já citei, a população japonesa como um todo é um personagem do filme e isso fica ainda mais óbvio com a mobilização que ocorre para deter o perigo iminente. Após perder uma guerra de maneira cruel, lutar contra os velhos traumas mais uma vez traz à tona o anseio de se livrar dos resquícios de destruição que ainda atormentam a vida da população seja fisicamente e metaforicamente, como na representação desse filme, seja psicologicamente e socialmente, como de fato precisou acontecer na realidade.

Enfim, esse foi um filme que conseguiu me cativar, me empolgar e ainda assim guardou muito espaço para um desenvolvimento da narrativa dramática que me prendeu do início ao fim, mesmo que nesse fim a característica fílmica tenha saltado aos meus olhos. De certo modo isso não chega a ser um grande problema. É mais uma implicação minha. O ponto que mais importa é que essa releitura traz à tona a verdadeira essência do kaiju japonês e sua importância como expressão cultural e social de uma época e de um povo amedrontado não por um monstro pré-histórico, mas sim pelos seus próprios semelhantes.

Nota do autor:

Avaliação: 4 de 5.

Gabriel Santana

Título OriginalGojira -1.0
Lançamento2023
País de OrigemJapão
DistribuidoraToho
Duração2h4m
DireçãoTakashi Yamazaki

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