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13ª Mostra Cinema e Direitos Humanos [Comentário]

Desde que eu comecei a me interessar por cinema nunca havia participado de uma apresentação de filmes fora da universidade ou de forma não comercial. Essa foi a primeira mostra de cinema que eu acompanho de perto e pretendo continuar em busca de mais experiências como esta. A 13ª Mostra de Cinema e Direitos Humanos é uma produção do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense (UFF), com realização do Ministério da Cultura e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania que aconteceu em 2023 e 2024 em vários lugares do Brasil. A mostra conta com a parceria de diversas universidades federais ao redor do país para garantir a sua realização local. Aqui em Sergipe a mostra contou com a Universidade Federal de Sergipe para organizar o evento que ocorreu no Museu da Gente Sergipana nos dias 12, 13 e 14 de março de 2024. Nesta edição, a mostra trouxe o tema “Vencer o ódio, semear horizontes” e foi uma retomada depois de 5 anos de hiato.

Eu participei de dois dias do evento e me encantei principalmente pelos curtas-metragens que eu assisti por lá. Vários dos filmes me tocaram bastante e eu gostaria de expô-los por aqui para servir como memória dessa mostra. Os temas abordados foram diversos, mas sempre no tocante à temática da reafirmação dos direitos humanos, tão atacados nos últimos anos no Brasil.

Enfim, pretendo participar de mais mostras e festivais como esse que tem o potencial de me agregar mais conhecimento e, de forma geral, cultura cinematográfica, principalmente se tratando de eventos que trazem temas tão importantes e obras que são fruto de cineastas dos mais diversos locais do nosso país. Adiante falarei sobre as obras que eu assisti e sobre seus temas centrais e um pouco da minha experiência com cada uma delas.

  • Negritude e memória
“TRAVESSIA”, Brasil, 2017, 5 min., direção de Safira Moreira

Os três curtas-metragens destacados aqui – “Travessia”, “Filha Natural” e “Escrevivência e Resistência” – abordam, de formas próprias uma temática em comum e que se conectam através da importância histórica e social que a memória tem para a afirmação de um povo e de sua cultura que por muito tempo sofreu tentativas de apagamento na sociedade brasileira.

“FILHA NATURAL”, Brasil, 2018-19, 16 min., direção de Aline Motta

“Travessia” e “Filha Natural” buscam, através das fotografias, revisitar o passado, buscando encontrar as origens verdadeiras de um Brasil tão diverso, mas que só tem uma pequena parte da sua grande história valorizada. A história negra nesses dois filmes é trazida à tona e mostrada com a intenção de expor como o processo de embranquecimento social tentou excluir uma cicatriz profunda sentida até hoje por milhões de brasileiros, a escravidão. Os curtas apresentam fotografias históricas com a representação de pessoas negras, geralmente ao lado de seus patrões brancos, num contexto desigual severo e buscam mostrar como o acesso a memória aos negros foi privada ao longo da história de formação do Brasil.

“ESCREVIVÊNCIA E RESISTÊNCIA:
MARIA FIRMINA DOS REIS E CONCEIÇÃO EVARISTO”, Brasil, 2021, 26 min., direção de Renato Barbieri e Juliana Borges

Numa perspectiva semelhante, “Escrevivência e Resistência” traz à tona duas escritoras e personalidades negras importantes para a literatura brasileira. De um lado temos a contemporânea Conceição Evaristo e de outro a escritora maranhense Maria Firmina dos Reis. Por anos esquecida na história da literatura brasileira, os textos de Firmina foram redescobertos e sua contribuição para o romantismo brasileiro foi finalmente revelado. Com histórias precursoras, a escritora foi uma das pioneiras da literatura feminina brasileira e mesmo assim, sua enorme contribuição havia sido simplesmente esquecida para a história. Com um diálogo com a escritora Conceição Evaristo, que também só foi reconhecida tardiamente em sua carreira, o documentário aborda a dificuldade enfrentada pela população negra em ocupar lugares majoritariamente brancos e como a quebra dessas barreiras por essas mulheres pioneiras abre caminho para que outras meninas negras possam, ao menos, ter o direito de sonhar com lugares de mais respeito e prestígio numa sociedade futura.

  • Perspectivas femininas
“A POEIRA DOS PEQUENOS SEGREDOS”, Brasil, 2012, 20 min., direção de Bertrand Lira

O papel da mulher na sociedade brasileira, seus anseios e receios também foram abordados nos filmes da mostra e, para mim, suas interpelações foram as mais marcantes. Seja numa abordagem ficcional ou documental, os temas femininos foram trazidos para o debate com força e os problemas sociais enfrentados pela mulher no Brasil foram tratados de uma forma humana, com os diferentes pontos de vista alcançados pela arte nessas obras.

“RIBEIRINHOS DO ASFALTO”, Brasil, 2011, 26 min., direção de Jorane Castro

Seja num contexto mais existencialista, com ambientação no Nordeste do Brasil, em “A Poeira dos Pequenos Segredos”, ou numa trama altamente verossímil em “Ribeirinhos do Asfalto”, os dramas vividos por mulheres dia após dia no país aparecem em histórias tão realistas que parecem documentos históricos. O que mais me chamou atenção nesses dois filmes foi a paisagem e o ambiente de familiaridade que as obras emanam, assim como o próximo filme citado.

“ADÃO, EVA E O FRUTO PROIBIDO”, Brasil, 2021, 20 min., direção de R. B. Lima

“Adão, Eva e o Fruto Proibido” foi, sem dúvidas, o filme que mais me tocou. Além de se passar no Nordeste, numa atualidade muito familiar e crível, a trama se desenvolve com uma sensibilidade cativante do início ao fim e os pequenos momentos de amor criados aqui passam uma mensagem linda para o espectador. Tudo isso envolto, como já citei, num universo tão real quanto o que eu posso acessar saindo na rua onde moro. O caminho de descobertas trilhado pelos dois personagens centrais da narrativa é cheio de descobertas e amadurecimento que estão presentes em qualquer desenvolvimento familiar e representam ainda mais uma dinâmica persistente em diversos lares brasileiros.

“ME FAREI OUVIR”, Brasil, 2022, 30 min., direção de Bianca Novais e Flora Egécia

O penúltimo curta que eu assisti na mostra foi um documentário sobre a ocupação feminina na política e as dificuldades enfrentadas por elas nesse espaço historicamente masculino. “Me Farei Ouvir” apresenta diversas perspectivas femininas na criação de um depoimento coletivo que expõe os problemas recorrentes para as mulheres na política brasileira. Em todas as esferas, a participação feminina é bastante desigual e os episódios de repressão e violência sofridos por elas só demonstram que a realidade parece longe de alcançar uma harmonia coletiva, seja na política, seja na própria sociedade como um todo.

  • O corpo-arte
“O QUE PODE UM CORPO?”, Brasil, 2020, 14 min., direção de Victor di Marco e Márcio Picoli

Outro curta que também foi bastante interessante e que ajudou a abrir meus olhos para uma temática que eu não tinha muito conhecimento foi “O Que Pode um Corpo?”. No filme-performance o diretor e produtor Victor di Marco transforma seu corpo em arte e apresenta sua vivência como pessoa com deficiência numa sociedade precariamente adaptada ou até mesmo hostil para quem não se encaixa nos padrões pré-estabelecidos de corpo ou beleza. Uma obra realmente íntima e capaz de atingir profundamente nossa visão de mundo muitas vezes capacitista.

  • Causa indígena
“NOSSOS ESPÍRITOS SEGUEM CHEGANDO”, Brasil, 2021, 15 min., direção de Kuaray Poty (Ariel Ortega)
e Bruno Huyer

Para finalizar meu texto sobre a mostra tenho que apresentar também mais uma área apresentada no evento. A temática indígena apareceu como centro das discussões em pelo menos duas obras. Em “Nossos Espíritos Seguem Chegando” uma comunidade indígena é retratada em discussões filosóficas em meio a um contexto problemático de pandemia da Covid-19. Enquanto que em “Mãri Hi – A Árvore do Sonho” o sonho do povo yanomami é exposto numa narrativa onírica e bastante poética, problematizando o grande processo de perseguição que sofrem pelos invasores garimpeiros e outros interessados em destruir sua casa, a floresta.

Gabriel Santana

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