Com um bom retrospecto de animações originais nos últimos anos, como “Klaus”, “A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas”, “A Fera do Mar” e “Pinóquio” do Del Toro, a Netflix alcança mais um grande sucesso, a meu ver, com “Nimona”. Uma animação surpreendente em vários aspectos que conseguiu me cativar profundamente como os demais filmes citados acima. Creio que essa foi uma das melhores surpresas que eu tive esse ano e com certeza merece um grande reconhecimento pela sua ousadia.
Na trama temos logo de início um universo bem interessante, uma mistura medieval-futurística. A história parte da lenda de um esquadrão de cavaleiros que derrotaram um temível mal há mil anos e por todas as gerações que se sucederam os seus descendentes também eram treinados e preparados pelo reino para proteger a cidade em que eles vivem de algum mal que ressurgisse. Na atualidade uma regra parece finalmente estar sendo quebrada quando um garoto plebeu se tornará o primeiro cavaleiro que não descende de uma família nobre, mas algo inesperado acontece no dia de sua ordenação.
Desde o começo o filme já me agradou e chamou a atenção pela diversidade dos personagens. Algo que eu também percebi em “A Fera do Mar”, outra produção da Netflix que se destacou no ano passado, mas que aqui ficou ainda mais notável explicitamente e implicitamente, pois, sua trama fala justamente desse tema. Agora, num contexto mais geral, vamos partir para uma reflexão minha que me parece pertinente levantar aqui. Havia alguns anos que notava em várias produções algo, digamos, curioso em relação a questão da representatividade dos personagens coadjuvantes e secundários, principalmente em exércitos e grandes grupos de personagens em cena. Nas produções mais antigas eu sempre me atinha ao fato de serem sempre todos iguais, homens brancos com a mesma vestimenta e praticamente com a mesma forma física. Isso acontecia bastante em live-actions, mas principalmente em animações, talvez pelo fato de ser mais fácil animar modelos iguais em cena. Os personagens mais diversos, quando apareciam, recebiam certo papel de exceção e geralmente tinham alguma espécie de representação especial por fugirem dos padrões. Porém, de uns tempos pra cá, isso parece estar começando a mudar e ver isso me agrada bastante. Venho percebendo cada vez mais uma grande diversificação desses personagens secundários, com a adição de mais negros, mulheres, asiáticos e demais minorias que compõem a sociedade na formação dessas grandes massas nos filmes. Se antes as mulheres não eram vistas como guerreiras e quando o eram necessariamente teriam que ser as protagonistas, pois a sua história, só por quebrar essas barreiras, já merecia ser contada, agora podemos encontrar mais e mais produções com exércitos com soldados mulheres compondo o fundo das cenas sem necessariamente isso ser motivo de surpresa ou admiração. E “Nimona” é justamente mais um exemplo dessa mudança que venho percebendo.
Finalmente, voltando para o filme em questão, não demorou nada para essa obra me conquistar. Pelos primeiros elementos apresentados já me surgiu uma grande empatia e afinidade. O universo medieval-futurístico me interessou bastante. Sempre me surpreendia com os elementos que foram frutos dessa mistura peculiar. Mas, mesmo com essa ambiguidade temporal, a trama se passa num momento perfeitamente alinhado ao presente em que vivemos aqui fora no mundo real. A sociedade é representada de forma certeira e as mensagens são transmitidas com um grau de criatividade apurado. Criatividade essa que transparece também na animação. Fugindo das clássicas animações 3D que viraram hegemônicas nos últimos anos, há aqui uma belíssima animação numa pegada 2D que consegue nos apresentar um mundo lindo. E como também as cores foram bem usadas nesse filme, uau! Sua representatividade e os pequenos e sutis detalhes com a utilização delas foram bem interessantes de notar durante toda a duração.

Acredito que a trama como um todo seja inovadora também no fato de apresentar um protagonismo diferente das aventuras tradicionais do gênero. Com um eficaz questionamento do que estaria acontecendo e de quem realmente está errado, o filme abre caminho para outras indagações oportunas que são despertadas na nossa mente. Assim, a trama ganha um ar não convencional que ajuda a destacá-la e serve como um respiro e uma prova de que histórias inovadoras e diferentes podem ser tão cativantes quanto as que seguem a fórmula clássica.
Assim como a animação e os demais méritos técnicos do filme me agradaram muito, seus personagens me despertaram muita simpatia, principalmente a principal. Juntando o bom desenvolvimento da animação e dos elementos sonoros com a construção de personagens com receios, questionamentos e dúvidas convincentes, a trama me pareceu escapar da básica trama de humor aventuresco, alçando voos mais tocantes às emoções e a empatia de quem o assiste. O humor, no entanto, me pegou de jeito desde os mínimos detalhes aqui e muitas vezes eu soltei boas risadas, talvez por eu ainda ter um espírito de criança muito grande e talvez por isso também que o filme me emocionou diversas vezes durante seu desenrolar. Não foi só naquele momento clássico de catarse final onde tudo desagua para uma finalização emocionante. Foram detalhes, cenas e toques sutis que me arrancaram lágrimas. Claro que sua conclusão não deixou de fazer igual, mesmo sendo nas últimas cenas que aconteceu umas das únicas coisas que eu talvez mudaria no filme, mas que, francamente, não fazem diferença nenhuma na experiência sublime que tive com essa obra.
Como eu falei anteriormente, a diversidade é o ponto central da trama em vários aspectos. Tudo gira em torno de como a sociedade lida com as diferenças das pessoas. Uma frase em especial me marcou muito: – com a tradução em minhas palavras – “As crianças crescem acreditando que serão heróis se enfiarem uma espada no coração de qualquer um que seja diferente”. E é exatamente isso que podemos ver na trama, com personagens “diferentes” sendo reprimidos e rechaçados do convívio social. A representação do conservadorismo e das muralhas inúteis que são erguidas pela sociedade retrógada são expostos de maneira sutil, mas que vão transparecendo com o decorrer do filme, se tornando o elemento central. Mensagem essa que vai ser muito mais bem absorvida pelos pais, mas que atingirá também as crianças e espectadores mais jovens que poderão desfrutar de uma bela dose de questionamentos sociais a respeito do que seria o bem e o mal, o certo e o errado, o igual e o diferente, o vilão e o herói, tanto no longa, quanto na vida real.
A forma como a sociedade tradicional impunha lendas e mitos irreais para formar a consciência quadrada das suas próximas gerações e assim manter o status quo que tanto presavam é exposto aqui em pequenas passagens, pequenos trechos e detalhes que depois são tocados pelos personagens e agregam no desenvolver da problemática central, provando ainda mais que o real problema não está dentro do filme, mas sim, no universo em que vivemos aqui fora. E se o próprio longa reafirma que nem todos tem o “feliz para sempre que queriam”, acho que é bem importante repensarmos a forma como lidamos com as nossas problemáticas quanto as diferenças que são colocadas como barreiras sociais para habitarmos com maior liberdade no nosso mundo, sem obstáculos ou muralhas para separar nobres e plebeus, homens e mulheres, eles e elus, ricos e pobres, brancos e negros ou quaisquer que sejam as diferentes formas de ser na sociedade.
Reitero que essa é, na minha visão, mais uma grande obra animada da Netflix que prova como a arte pode carregar mais do que só diversão efêmera e pode alcançar um patamar muito mais nobre e essencial para o mundo. Assim, como eu indiquei em “A Fera do Mar” e realmente aconteceu, acredito – e ficarei muito feliz, se acontecer mais uma vez – que essa animação será lembrada no Oscar e nas premiações do próximo ano, com muito mérito. Realmente foi uma experiência marcante pra mim, que pode ter me cativado em um nível diferente pelo meu apreço particular pela arte da animação e pela abordagem utilizada, mas que não fica abaixo de ser, no mínimo, uma história divertidíssima para todos os espectadores que se aventurarem e que eu realmente gostaria que fosse lembrada no futuro como uma obra clássica de nossa época – o que eu acho difícil, infelizmente.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | Nimona |
| Lançamento | 2023 |
| País de Origem | EUA |
| Distribuidora | Netflix |
| Duração | 1h41m |
| Direção | Nick Bruno, Troy Quane |
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