Dando sequência na curta, mas notável, trajetória da diretora Emma Seligman, temos aqui o seu segundo longa que aposta numa abordagem ainda mais satírica e humorística para expor uma trama tão interessante quanto seu outro longa, Shiva Baby. Dessa vez, temos uma comédia certeira que aborda temas relevantes de maneira leve e divertida, sem nunca perder os toques característicos da sua diretora e roteirista.
PJ e Josie são amigas que tentam impressionar algumas garotas por quem elas têm interesse, o que se mostra uma tarefa complicada por três motivos: elas se considerarem lésbicas, feias e sem talento. PJ é mais obstinada enquanto Josie é mais contida, mas juntas elas são o contraponto perfeito uma da outra. Suas dificuldades, entretanto, não as impedem de criar uma espécie de clube da luta de garotas, com algumas voluntárias do colégio. O que parecia ser um meio de atingir o sucesso original das líderes do grupo, acaba criando um laço de companheirismo espontâneo ainda maior em suas demais integrantes.
O que dizer da trama de Bottoms? É perceptível a mesma noção de direção de Shiva Baby com um início acelerado, mas não apressado, exatamente como esse último filme me conquistou logo nos primeiros minutos. Em Bottoms, esse início caótico consegue trazer as problemáticas de forma incrivelmente divertida e eficaz, nos fazendo simpatizar pela dupla protagonista sem muito esforço. De qualquer maneira, mesmo se alterando em certas partes necessárias do longa, o ritmo é responsável por nunca deixar escapar o tom debochado e satírico do projeto.
Acredito que o que mais me encantou, além da direção hábil e da condução inteligente, foram as utilizações dos estereótipos clichês de adolescentes americanos da “high school”, utilizados ao extremo em diversas produções do gênero e muitas vezes de maneira preguiçosa. Aqui isso não acontece. De forma hábil, alguns desses clichês são exaltados e outros subvertidos. Essa mistura brinca com nossa expectativa e nos deixa sem saber o que vai acontecer, sentimento parecido com o que senti no filme anterior da diretora. Há diferença, porém, na utilização da trilha sonora aqui. No anterior os ruídos serviam para realçar o desconforto, mas aqui serviram para elevar o ânimo e a profundidade de algumas sequências mais importantes. A utilização na trilha sonora de músicas não originais ainda foi meticulosamente acertada, dando um toque a mais na obra.
Ainda sobre a parte humorística do projeto, é interessante como o humor de constrangimento e o humor satírico são utilizados com cenas extremamente coreografadas para extrair o riso do público. Não foram poucos os momentos que o filme conseguiu me fazer rir. É bom ver que até nos mínimos detalhes foram deixadas tiradas cômicas divertidas para que o tom permanecesse leve e instigante.
Mesmo com uma embalagem cômica excelente, o filme não deixa de expor problemáticas pertinentes e ainda assim desenvolver uma história contemporânea e criativa. A maneira como os temas mais sérios são abordados de forma mais sugestiva do que explícita agregam ao astral contínuo da trama. Ainda assim, é legal perceber como a abordagem de questões sobre sexualidade, descobertas da adolescência e relações de companheirismo e comunidade são expostas de maneira natural, sem tomar o lugar do desenvolvimento da trama, mas, ao contrário, acrescentando camadas importantes a essas discussões centrais do longa.
E volto a me questionar: o que dizer do final? Eu fiquei boquiaberto com o que estava diante dos meus olhos – de maneira positiva, ressalto. Uma representação da “caoticidade” de todo o filme, com um encerramento digno para todos os arcos de personagens que se entrelaçam no decorrer da narrativa, sem deixar nenhum dos personagens desaproveitados. Um belo exemplo de filme que não precisa se levar tão a sério para nos presentear com mensagens sérias e importantes de maneira divertida e cativante.
Não deixo de ressaltar novamente a proeminência da diretora Emma Seligman que mostra sua capacidade de utilizar diversas maneiras que o cinema tem de atingir o público para criar histórias interessantes e originais. Pretendo acompanhar de perto a carreira dessa admirável jovem cineasta e espero que ela continue utilizando o cinema da melhor forma, com a inteligência de sempre, demonstrada até agora.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | Bottoms |
| Lançamento | 2023 |
| País de Origem | EUA |
| Distribuidora | MUBI |
| Duração | 1h31m |
| Direção | Emma Seligman |
Onde Assistir?
(não oficial)





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