Esse é um filme poético, intimista e tocante que me foi recomendado sem que eu soubesse nada sobre sua trama. Agora, após assisti-lo, posso dizer que foi uma experiência profunda e realmente marcante cheia de simbolismos e de uma densidade narrativa que vai se revelando nos detalhes, frutos de uma direção e atuação sublimes.
Acompanhamos Marianne, uma pintora que é convidada para fazer um retrato de uma moça numa localidade longínqua em algum momento durante a renascença francesa, pelo que me pareceu. Aí, percebemos sua obstinação com seu trabalho e sua rápida adaptação ao novo ambiente. O tal retrato serve como pretexto para um iminente casamento arranjado pela mãe da noiva. O significado inerente a esse retrato aparentemente simples e o seu contexto de criação são os pontos que vão conectá-la a sua musa de maneira inesperada. O que no começo parecia ser só mais um trabalho para Marianne, exige dela uma profunda reflexão moral e pessoal sobre a sua criação e a coloca no cerne de um relacionamento intangível.
A trama começa meio confusa e vai nos mostrando alguns detalhes que começam a dar sentido a narrativa aos poucos. Mas nada que se prolongue demais. Com poucos minutos já podemos sentir o drama da doce Héloïse e as consequentes descobertas de Marianne provenientes do convívio incialmente artificial com ela. O que não passava de uma relação profissional vai ganhando toques de intimidade e se transformando numa complexa relação de cordialidade. Algumas pistas já apontam para o que virá a acontecer no filme, como por exemplo as trocas de olhares penetrantes. O interesse e as ações quase que investigativas de Marianne a levam a descobrir o que realmente afeta sua recém-conhecida. A chama que arde em seu peito, como o filme faz questão de nos aludir em uma das cenas, desabrocha quando o convívio se torna mais próximo. Todas as dúvidas e questionamentos que pairam sob a mente da pintora a fazem questionar sua própria criação, o que abre caminho para uma vivência ainda mais próxima a Heloïse, a fim de corrigir sua falha.
Achei muito bonito como as duas passaram a se relacionar com a pequena Sophie e como aquilo já havia se tornado uma relação familiar estruturada e concreta mesmo sendo tão breve e fugaz. O convívio nas pequenas relações domésticas do dia a dia ganharam uma importância a parte para a vida de todas, sendo uma das primeiras vezes em que todas conseguem se sentir completamente à vontade para rir e se libertarem das amarras sociais da época, em todos os sentidos.
A direção consegue tirar de todas as sequências os melhores extratos do roteiro e cada cena parece necessária, sem haver um inchaço artificial. Inclusive, gostaria que o filme se estendesse mais, mesmo gostando e me emocionando com a maneira como ele termina. Só nos momentos finais do filme que eu fui perceber também que ele praticamente não tinha trilha sonora. Apenas algumas músicas diegéticas e que contribuem com a construção dramática da sequência final, que foi o que me fez perceber a ausência de outras músicas.
A maneira como a relação se desenrola é poética e assim como na mitologia grega, citada no filme, as duas preferem manter suas chamas acesas apenas nas memórias e se despedem para a eternidade num desenrolar cruel. A obstinação de Marianne a fez concluir o trabalho mesmo sabendo das consequências para si mesma e para Heloïse, que acaba ironicamente condenada a um destino horrível pelas mãos da pessoa que ela ama, assim como na lenda. Esse longa me fez lembrar do episódio 3 da série “The Last of Us“, que também me tocou bastante e me fez sentir algo parecido com o que senti com o recente “Aftersun“, mesmo essas outras obras tendo um desenrolar um pouco menos triste, a meu ver.
Termino expondo minha dificuldade de escrever esse texto. Não estava conseguindo transformar minhas ideias em palavras à altura para descrever meus sentimentos com esse longa – e não acho que tenha conseguido totalmente. Acredito, no entanto, que eu consegui deixar claro aqui o quão impactado eu fui com essa obra e sua história cativante, mesmo que não tenha sido, particularmente, um dos meus melhores textos. Enfim, essa foi realmente uma obra surpreendente que eu não espera ser afetado de forma tão marcante.
Nota do autor:
Gabriel Santana

| Título Original | Portrait de la jeune fille en feu |
| Lançamento | 2019 |
| País de Origem | França |
| Distribuidora | Telecine |
| Duração | 2h2m |
| Direção | Céline Sciamma |
Onde Assistir?






Deixe um comentário